Uma das cenas mais repugnantes da vida é ser forçado a ter de fazer coisas contra a própria vontade. Ninguém gosta disto, simplesmente porque fazer uma coisa quando não se quer fazê-la significa uma violação da autonomia e do livre-arbítrio individuais. E quando se tem simpatias anarquistas, como é o meu caso, esse sentimento de "violação" atinge o seu zénite.
Contudo, mesmo o mais feroz adepto da liberdade de escolha tem de admitir que, por vezes, sermos obrigados a fazer coisas que não queremos acaba por ser um mal que vem por bem (em inglês, "a blessing in disguise"; em alemão, "wolfenreichschtrumpfelgang", ou lá o que é!). Por exemplo: ir à escola. Quem é que gostava de ir à escola? Eu não!!! Sempre odiei aquela vida, exceptuando os momentos de recreio, nos quais ocupava o tempo a jogar à bola, a apalpar as miúdas, a andar à porrada com outros putos que apalpavam miúdas, a chatear as contínuas e a fazer xixi nas paredes traseiras dos blocos. Mas as aulas, oh, as aulas eram uma estopada, uma seca infindável que parecia quase sugar a minha força vital.
Só que, mais cedo ou mais tarde, um gajo compreende que ser obrigado a ir à escola foi uma coisa boa. Aprender a ler e a escrever ou até mesmo levar faltas a vermelho por chamar ao professor de matemática "paneleiro trigonométrico" são coisas que nos preparam para a vida e nos dão vantagem sobre aqueles pobres coitados que não tiveram oportunidade de frequentar o ensino. A coacção, portanto, acabou por revelar-se benéfica, e se hoje continuo a abominar os estabelecimentos de ensino, tenho de admitir que sem eles eu seria muito menos eu do que sou hoje. O mesmo se passa com o trabalho: um gajo não gosta de ir trabalhar, é chato, seria preferível ficar em casa a dormir, mas ao final do mês a coisa até sabe bem, pois é o facto de estar a trabalhar que permite a aquisição de fabulosos cds, livros e dvds (além do sempre útil material pornográfico).
Outra situação em que fui obrigado a fazer algo que, por minha vontade jamais faria, foi durante a minha licenciatura. Para uma cadeira do curso, fui obrigado a ler a Ética, do filósofo holandês descendente de portugas Baruch de Espinosa. Juro que ao fim das primeiras três páginas, estava a pensar para mim "Fosga-se, que porra é esta?!?! Eu não vou ler esta merda! Não percebo a ponta de um pénizito cujo prepúcio esteja ensanguentado! Acabou!", mas depressa fui chamado à realidade, pois se não lesse aquilo tudo, os meus resultados em testes e trabalhos seriam equivalentes às capacidades intelectuais da ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Forcei-me, então, a ler o livro. E o que sucedeu?!? Aquela primeira impressão sumiu-se por completo! Por iniciativa própria, duvido que alguma vez conseguisse ler a Ética, mas ao ver-me coagido, por motivos académicos, a lê-lo, acabei por ter uma das maiores recompensas da minha vida. Hoje em dia, considero a Ética o livro mais importante já escrito, e posso até vangloriar-me de, passado aquele impacto inicial, o ter relido várias vezes (em português e, pasme-se, em francês), sempre com imenso prazer.
A Ética do Espinosa, aliás, é tão, mas tão importante que já comecei a doutrinar o afilhado da minha gaja. Da última vez que o bebé de seis meses esteve lá em casa, li-lhe metade do primeiro capítulo do livro! É um ensaio para aquilo que farei se algum dia tiver filhos: obrigá-los-ei, ainda antes de completarem 3 anos de idade, a fazer aquelas coisas que, mais cedo ou mais tarde, se revelarão compensadoras. Nomeadamente, terão de saber a Ética de trás para a frente, aprender a sacar álbuns de bandas black metal satânico do norte da Nova Zelândia, jogar futebol como o Messi e dizer mal dos políticos como se eles fossem a coisa mais asquerosa à face da Terra, o que não deixa de ser verdade! (também treinei isto com o afilhado da gaja, mas as coisas não correram muito bem: quando lhe disse "O Paulo Portas gosta de ir às feiras para poder enfiar pepinos no próprio rabo", o puto bolsou-se. Não sei que mensagem política ele quis transmitir com isto...).
Em conclusão, que já me alonguei demasiado, muitas vezes não há mal nenhum em sermos obrigados a fazer o que não queremos ou em obrigarmos os outros a fazerem aquilo que não querem. É que os resultados podem ser bons, mesmo quando não damos por isso logo.
P.S.: este post foi inspirado num episódio pessoal. É que ontem a gaja obrigou-me a limpar o pó. Eu resisti até onde pude, mas acabei por ficar convencido das vantagens de realizar aquilo que a companheira exigia: primeira, é menos prejudicial para a saúde residir numa casa limpinha e asseada em vez de caminhar sobre camadas de crostas de pó; segunda, é preferível andar com o paninho para cá e para lá do que levar umas valentes vassouradas se me recusasse a fazê-lo...
quarta-feira, setembro 02, 2009
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7 comentários:
Sei bem como te sentes. É com um misto de alívio e de triste antecipação que encaro o advir do fim-de-semana (parcialmente gasto, de 15 em 15 dias, em limpezas afincadas).
Pois para dzeres que já leste um livro de filosofia várias vezes (e em francês), só posso concluir que inspiraste o pó, não o varreste!
muito bom! a tua gaja é que a sabe toda!
agora fiquei curiosa com essa ética desse tal espinhoso;)
E eu que fui obrigada a ler este post enoooooooooorme para no final ter o prazer de o comentar e dizer "Tu tás mas é doido!"...
Jokas
não me conformo por não teres gostado da imagem do meu post...
caro Peter aquela foto é altamente fashion ;)
ah ah ah ah ah ah ah ah
(eu pensei logo que alguém não ia achar piada... lol)
Mas porquê? Porque é que sou sempre eu que pago as favas!'
@Rachelet: grato pela solidariedade. É duro...
@Rafa: curiosamente, essa obra está ao lado de outra que adquiri recentemente, chama-se Are You Ladrating To Me, não sei se já ouviste falar.
@Subtilezas: estás então à espera do quê para ler?
@Rita: mas podias perfeitamente ter poupado tempo e fazer logo esse comentário. Serve sempre, seja qual for o meu post.
@Sofia: a mim espanta-me é que alguém consiga gostar daquilo...
@Gaja: tens cá uma lata... primeiro fazes o mal, depois armas-te em vítima! :)
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