Tenho, com mais frequência do que seria aconselhável, lapsos espaciais (ou seja, perco a consciência do local em que estou) quando três condições estão reunidas:
a) sono
b) deslocação num transporte público
c) headphones postos
A mais recente situação de lapso espacial deu-se ontem no comboio. Como habitualmente, sentei-me no assento junto da janela. Como habitualmente, coloquei os meus fones. E como habitualmente, estava cheio de sono, o que me fez debruçar a cabeça para o lado, fazendo do comboio uma desconfortável almofada.
A música, essa, continuava a tocar; na altura em que se deu o episódio que tratarei de narrar, o mp3 lia aquele pedaço elevado de lirismo que dá pelo nome de "Alice", e cuja composição esteve a cargo desse génio da palavra que dá pelo nome de Manuel João Vieira, mentor dos Ena Pá 2000 e outros projectos javardolas. Quem conhece a música em questão, em particular a letra, sabe bem da riqueza lexical da mesma. E sabe também que a cançoneta se nos cola aos ouvidos e nos obriga a cantarolar e a repetir os magníficos versos.
Foi o que eu fiz! Olvidando completamente que estava num transporte público, aspecto para o qual contribuiu a minha pedrada de sono, a páginas tantas não resisti a trautear aquele sugestivo refrão que com tanta vivacidade reza "Alice, Alice, lambe-me a pice/Alice, Alice, lambe-me a pice!". Mal acabei de dizer tais palavras, apercebi-me logo que tinha feito merda. É facto que não as emiti tão alto que fossem ouvidas por toda a carruagem, mas foi a um volume suficiente para que os passageiros mais próximos ficassem atónitos, como pude verificar assim que abri os olhos para compreender, visualmente, as consequências do que havia cometido.
O que vale é que, nestas coisas, não sou de ficar chateado ou envergonhado. Liguei ao quarentão de fato e gravata que largou o Destak e me fitou nos olhos, abanando ligeiramente a cabeça? Não! Liguei à menina de 6-7 anos que perguntou, inocente, à mãe: "Mamã, o que é pice?". Idem! Liguei às duas senhoras que segredavam coisas incompreensíveis aos ouvidos uma da outra enquanto apontavam para mim com ar de "se este gajo vivesse na Idade Média, a esta hora já tinha sofrido as agruras da Inquisição"? Ibidem! Não liguei a ponta de um corno a nada e procedi a uma espantosa fuga para a frente, que é como quem diz "ah é?! Perdido por um, perdido por mil!" e cantei o resto da musiquinha até ao fim, num volume ligeiramente mais elevado do que tinha feito da primeira vez. Não, não fui ovacionado de pé (embora merecesse), mas também ninguém chamou os cobradores e muito menos accionaram o sistema de emergência para chamar uma ambulância que me transportasse para o hospital psiquiátrico mais próximo.
Correu tudo bem, no fundo, e posso garantir que, à conta disto, a menininha e quiçá todos os passageiros que escutaram o meu karaoke já enriqueceram o seu vocabulário. Acabou por ser divertido e didáctico...
quinta-feira, junho 04, 2009
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8 comentários:
O que tu merecias era uma valente cabeçada entre os olhinhos ;)... para não estares a conspurcar o ambiente com essa poluição sonora que eras tua a cantar...
Escolheste um sítio fantástico para cantares a "Alice"! LOOL Eu também sou fã de Ena Pá 2000. Embora seja uma senhora (mas que béim) farto-me de cantar as músicas deles :D Sem problema nenhum. E costumo ouvir no carro também. Em alto som e de janela aberta. E pronto. Sou feliz assim! loool :)
@Gaja: tu andas obcecada com cabeçadas, não andas?!?! E eu até canto bem, ok?
@Peixe Frito: *vénia* *vénia* *vénia* Ena Pá 2000 não é um grupo, é um mito!
que comboio é que apanhas pá ?
manuel joão a presidente já.
eu gosto mais de irmãos catita. ;)
http://donodaloja.blogspot.com/2009/05/as-minhas-coisas-favoritas.html
Deve ter sido assustador!
:)
Conheço bem o tema. Manuel Vieira é Deus. A presidência é justa mas sabe a pouco.
"Se na vida tens azar e te queres suicidar/ Vai à Alice procurar a alegria de amar ...Aliiiiiice"
Há uns também bem bonitos dos Irmãos Catita que vale a pena dar uma de sabedor e bom ouvinte. ;)
@Francis: um que me leva de um lado para o outro e vice-versa. E eu gosto de Irmãos Catita, mas Ena Pá é Ena Pá!
@)O(: assustador para quem?!
@Pulha: num país de jeito, MJV seria presidente, PM, presidente da AR, governador do Banco de Portugal e por aí fora. Seria uma espécie de Hugo Chávez, portanto, mas em fixe.
@Alexandra: repito: gosto dos Catita, mas Ena Pá é something else!
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