quarta-feira, novembro 11, 2009
Sonho de Berlim (por detrás da Cortina de Ferro)
Grande parte das vezes, os nossos sonhos derivam de ocorrências reais, às quais é dada uma enorme liberdade poética capaz de as tornar irreais (até porque são sonhos, certo?!). As vezes que eu já vi a Monica Bellucci no televisor e depois, na própria noite, tive sonhos que envolviam envolver-me com ela numa banheira cheia de espuma... Tantas, tantas...
Esta noite, o sonho foi menos libidinoso e mais politicamente comprometido. Com tanta propaganda feita nos últimos dias à queda do Muro de Berlim, não espantou que os meus sonhos tenham saído afectados. E foi assim que me vi transportado no espaço e no tempo e fui parar ao lado de lá da Cortina de Ferro antes da queda do muro. Pelas ruas de Berlim oriental caminhava, cruzando-me aqui e ali com habitantes da Alemanha de Leste, pessoas tristes de olhar melancólico e rosto fechado. As mulheres, em particular, davam dó, pois arrastavam-se penosamente pela calçada, carregando de cada lado um cesto com vegetais. Dava-me vontade de libertá-las e trazê-las para o lado de cá, mas uma pessoa quando sonha tem de obedecer às regras do sonho, e no meu sonho eu estava obrigado a continuar a caminhar.
Caminhando e caminhando chego a uma praceta, onde decorre uma espécie de ajuntamento comunista. Em cima de um palanque, um dirigente grita palavras de ordem, mas eu não compreendo porque o homem fala em russo. Defronte do palanque, os alemães de leste cochicham uns com os outros, talvez perguntando "Gott im himmell, porrque é que este cabrrón está a falarrr em russo?!?", ainda e sempre com rostos tristes. Olho para o espectáculo por uns minutos, e desta vez o sonho diz-me para intervir, e assim faço: com uma força desconhecida, irrompo pela praceta e, empurrando alguns alemães no processo, rapidamente chego até junto do palanque, onde olho nos olhos o palhaço comuna que papagueava a cassete do Kremlin. Fico uns momentos assim, a fazer cara de mau para o tipo, até ele parar de falar. Quando finalmente se cala, chega a minha vez: "Palhaço de merda, estás para aí a elogiar o teu regime de merda e olha para esta gente, olha para a vida deles. Filho de uma rameira siberiana, são tipos como tu e regimes como aquele que apoias que dão mau nome à Esquerda. Se eu tivesse aqui comigo um saco cheio de mijo, atirava-to já à cabeça, meu rabilóide. Devias ser apanhado num beco escuro por um bando de cossacos que te fizessem ao cu aquilo que os bolcheviques fizeram aos mencheviques."
Como eu falava em português, a besta do russo nada entendia, mas a raiva que embebia as minhas palavras era-lhe bastante perceptível. Sentindo-se atacado, disse-me "Nasdrovnja, pravda nyet nyet navratilova, cecceka moskva, gospodin mikaylichenko andryi shevckenko nyet portugalski cunhalovski pravda", ao que lhe respondi com um gesto universal, que se caracteriza por dobrar de encontro à palma da mão os dedos indicador, anelar e mindinho e esticar para o ar o dedo médio. O pulha não gostou e chamou imediatamente os guardas que ladeavam o palanque. Percebi então que os meus minutos do lado de lá da Cortina de Ferro estavam contados e que o melhor era dar corda aos sapatos e pisgar-me dali para fora. Corro, corro, corro, apanho uma barra de ferro do chão da Berlim oriental e, com o Muro já à distância do tamanho do pénis do John Holmes, dou uma de Sergei Bubka e salto para o lado de cá da Cortina de Ferro. Estranhando não ter levado com nenhum tiro, desvio o meu olhar para as torres de vigia: nelas, os soldados do leste estão a bater palmas, claramente impressionados pela minha atlética exibição. "Fixe", digo para mim, "esta merda até não correu mal. Só espero que o meu exemplo sirva... pá, sirva de exemplo e que os alemães não se deixem levar pelos sovietes".
A saga, no entanto, ainda não estava terminada. Ao virar as costas, em definitivo, para o Muro de Berlim, vejo dois soldados norte-americanos a vir na minha direcção. Um deles grita "Man, you're a fucking hero. You're a symbol of western capitalism", mas mal acaba de dizer a última sílaba da palavra "capitalism", leva com a barra de ferro na tromba (sim, a barra de ferro deveria ter ficado na Berlim oriental, mas é destas coisas que os sonhos são feitos, não é verdade?). O outro soldado olha espavorido para mim e para o colega, sem saber o que fazer. É aí que dou a minha lição política: "Ó palhaço, 'tá lá quietinho e ajuda mas é o teu colega a ir para o hospital. Vocês do lado de cá são iguais aos estúpidos do lado de lá. O totalitarismo do capital não é melhor que o totalitarismo do plano quinquenal. Ah, e chupa-mos". O soldadito, embora não entendesse português, de certeza que percebeu as minhas intenções, pois acaba por deixar-me em paz e levar o companheiro, cujo nariz se esvai em sangue, aos ombros até ao posto médico mais próximo.
Ciente de que nada mais havia a fazer naquele lugar, viro-me uma última vez para o Muro, desço a braguilha, puxo o peterpanzinho para fora e, num gesto derradeiro de provocação, pinto aquela mordaça de betão com a minha urina. Soltos os últimos pingos, arrumado o animal e fechada a braguilha, resolvo apanhar o primeiro táxi e venho para a caótica Lisboa (só em sonhos é que um gajo gosta de ir de táxi!!! E de trocar Berlim por Lisboa!!!). E foi assim que terminou a minha aventura, e idem para o meu sonho. De manhã, só me vieram à cabeça, em jeito de moral (ou será "mural"?) da história, as seguintes palavras: "Aqueles que querem desvalorizar a queda do muro de Berlim com o argumento de que a vida nos antigos países do bloco soviético não está melhor do que antes, são iguais àqueles que desvalorizam o 25 de Abril com o argumento de que a vida em Portugal não está melhor do que na época do Salazar".
Isto é profundo, meus meninos. E tão verdadeiro quanto profundo...
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3 comentários:
Acho que fiquei assustada com a tua imaginação sonorífera(se é assim que se escreve).
Estou desiludido, pensei que neste sonho também entrava a Mónica...
_)_
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