terça-feira, abril 02, 2013

O estatuto da mentira na sociedade contemporânea

Pois. Ontem foi dia das mentiras. E como tal, andou meio mundo a aldrabar o outro meio. E é aqui que eu pergunto: o que distinguiu, então, o dia de ontem de outro dia qualquer? Todos os dias somos bombardeados com aldrabices. Todos os dias nós próprios inventamos aldrabices, quer para enganarmos os que nos rodeiam, quer para nos enganarmos a nós próprios. Eu, por exemplo, todos os dias me iludo com a ideia de que o Sporting, um dia, voltará a ser um clube grande.

O que merecia ser alvo de estudo não é, porém, a proliferação da mentira e sim o que distingue esta da verdade. E o que é? Como é que alguém sensato e inteligente, quando posto em contacto com um sem-número de informações, distingue as verdadeiras das falsas? Se eu colocar neste blogue frases como as seguintes:

  • O Sporting bateu ontem, 1 de Abril de 2013, o Braga por 3-2, com um hat-trick de Wolfswinkel.
  • A Joana Santos é boa como o milho.
  • Vítor Gaspar é um ministro das Finanças muito competente e capaz.
  • O Berlusconi tem bom gosto por mulheres.
  • Há uma família de baratas de Madagáscar a residir no cérebro do João Moutinho, segundo um investigador neo-zelandês.
  • A TVI tem uma programação interessante.
quem é capaz de dizer, de chofre, quais são verdadeiras e quais são falsas?! Toda a gente, acho eu, mas isso é porque são todas óbvias. São todas verdadeiras, excepto a última e a terceira. Ah, vocês têm dúvidas acerca da quinta?! Pois não tenham: está aqui comigo o estudo científico que comprova existir uma infestação de baratas na cabeça do Moutinho, algo de que eu sempre desconfiei, devo dizer. Se quiserem, eu passo-vos o pdf. Isto se o unicórnio que tenho a viver no disco rígido do meu portátil não resolver comer o ficheiro antes de eu fazer a transferência. Já não digo nada: uma vez ele limpou-me do computador uma pasta com 5 gigas de fotografias da Helena de Tróia toda nua. É verdade, é verdade, acreditem em mim: aquele unicórnio é um malandro.

Infelizmente, na vida do dia a dia, as coisas não são tão evidentes assim. Até porque a sedição da mentira se torna mais grave quando se imiscui, sem se dar por isso, no meio de um conjunto de verdades. "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és", parece compreender a mentira, e portanto dá-se com verdades para se parecer com elas. E safa-se assim. E bem. E nós temos mais dificuldade em dar com ela, porque temos de estar muito atentos. É como se metessem a Cláudia Vieira no meio de centenas de trambolhos gordalhufos. Tornava-se complicado dar com ela no meio de tanta banha. E a mentira sabe disto.

O 1 de Abril é, portanto, um dia da treta. Literalmente. Ao estimular mentiras atrás de mentiras, nega o mais perigoso facto da mentira: o de se fazer passar por verdade. E é isto que não devemos esquecer. E era a isto que deveríamos dedicar não um, mas todos os dias. Porque se o relembrarmos, será mais fácil não confiarmos em mentirosos. Ou votarmos neles (e aqui uso o "nós" mas estou a referir-me a vocês, que eu cá não voto em malandros. Ou seja, não voto!). Pensem nesta merda. Porque isto é a verdade mais elementar.

Sem comentários: