quinta-feira, novembro 28, 2013

Mais um prego no caixão da Filosofia em Portugal

Que a Filosofia, um F, nunca esteve bem neste país dos três F's - Fátima, Futebol e Fado -, todos nós sabemos. Mas nos dias de hoje, a Filosofia afunda-se cada vez mais. Como se não bastassem os "filósofos" chatos e inúteis (olá, Eduardo Lourenço. Olá, José Gil), não ajuda um certo ex-primeiro-ministro com apelido de filósofo dizer que leu muito o Kant. E ajuda muito menos um certo ex-ministro da Cultura, ex-candidato à Câmara Municipal de Lisboa, ex-deputado e professor catedrático de Filosofia (sem o "ex") ter agredido uma certa apresentadora de televisão muito dada a operações plásticas.

E é aqui que eu quero chegar. As consequências do caso Carrilho X Bárbara são nocivas para a percepção que o cidadão comum tem da Filosofia e dos filósofos em Portugal. Se os filósofos e a Filosofia já eram mal vistos ("aquilo são tudo paneleiros", "Filosofia? Isso não interessa para nada!", etc.), agora a situação está bem mais bera! Cometendo a falácia do tomar a parte pelo todo, as pessoas associam o comportamento do Carrilho, um filósofo (um mau filósofo, mas ainda assim um filósofo!), ao comportamento de qualquer pessoa que tenha um mínimo de relação com a Filosofia. Assim, e transformando isto num argumento, o que as pessoas pensam vai dar nisto:

O Carrilho bateu na mulher.
O Carrilho é filósofo.
Logo, quem é filósofo bate na mulher.

E pronto, está armada a confusão! E não adianta dizer que este argumento está mal formulado e o caraças, porque para perceberem a falácia as pessoas precisariam de ter um mínimo de entendimento filosófico. E não têm, nem querem ter. A Filosofia, por estas alturas, equivale à lepra de há séculos atrás: se a vêem aproximar-se, fogem a sete pés.

Estou a dizer estas coisas porque eu próprio já ando a sofrer na pele estes preconceitos. Lá no bairro, sou olhado de lado desde que a novela Carrilho e Bárbara veio a público. Eu bem oiço os comentários das vizinhas, apesar de levar os meus fones ligados e ter o volume alto:

- Olhe, olhe, ali vai o Peter of Pan.
- Ai que horror. Veja-me o olhar esgazeado dele. Nota-se bem que é licenciado em Filosofia.
- Pois é, pois é. Coitada da mulher. Deve apanhar poucas, deve.
- Então a vizinha não se lembra de na semana passada ela andar a tossir muito? Foi ele que lhe deu um pontapé nas costas, de certeza.
- Ah, o celerado. E a polícia não faz nada! Que escândalo! Era prendê-lo e queimar-lhe os livros todos.
- Ouvi dizer ali no café que o Peter of Pan tem um livro do Kripke.
- Ai! Isso só pelo nome... Não é coisa boa, de certeza. Antes andasse metido na droga, como o meu sobrinho. Ao menos, quando está naquilo, não chateia ninguém.
- E ainda dão essas coisas nas universidades.
- Realmente! Por isso é que este país está como está.

E é isto. Nem as amigas da minha mulher me poupam. Andam sempre a perguntar-lhe se ela está bem, se não sofreu nada, e a cereja no topo do bolo é tentarem saber se eu ando a ler "muito Égel ou muito Níche". Se a gaja responde "o normal, o mesmo de sempre", elas, à beira das lágrimas, desatam a abraçar a minha esposa, como se ela vivesse no meio de uma tragédia permanente. Já houve uma que, ao ver as minhas estantes de livros, pensou em denunciar-me à APAV. Não fosse a minha presença de espírito demonstrada na rapidez com que lhe mandei à tola a História da Filosofia Ocidental do Bertrand Russell, hoje estaria a ser julgado por violência doméstica.

Por estas e por outras, se um dia eu apanho o Carrilho à minha frente (obrigadinho por nada, meu palhaço!), digo-lhe que o William James é um filósofo menor. Vão ver se ele não fica a chorar baba e ranho durante umas duas semanas...

segunda-feira, novembro 25, 2013

Ódios de estimação: The Beatles e John Lennon

Pois. Como falar de uma coisa quando a frase que serve de título já diz tudo?! Porém, sabendo previamente não ter nada a acrescentar ao que já aí foi expresso, vou tomar um pouco do vosso tempo e da vossa paciência e desenvolver um pouco mais este meu ódio de estimação.

Beatles e John Lennon. Idolatrados por muitos, desde há várias décadas. Avós, pais, filhos, netos: há gerações inteiras que em comum têm apenas o gostarem da música do fab four de Liverpool. O avô pode ser fascista, o pai comunista, o filho empresário e o neto drag queen, e nos almoços lá em casa a conversa assentar em torno do álbum branco ou outra coisa qualquer que os betinhos dos Beatles (os "beatlinhos"?!?) tenham gravado. Mais uma evidência de que o mau gosto tem um poder de intrusão muito forte e é capaz de atravessar espaços e tempos.

A primeira vez que ouvi Beatles não me lembro. Nem da segunda. Nem da terceira. Mas recordo-me perfeitamente de aos 7-8 anos estar no meu quarto, rádio ligada, e perguntar "€@#&, mas que merda de música é esta?" quando um programa radiofónico passou uma canção que, 3 minutos mais tarde, identificou como pertencendo aos "fantásticos Beatles". Lembro-me também de desatar a chorar para junto da minha mãe, aos gritos de "mãe, mãe, tenho medo dos Beatles" quando vi imagens do quarteto na televisão.

Pior reacção, só quando escutei, algures em 1985 (maldito dia!) o "Imagine" do John Lennon a solo. Estava eu numa festa com amigos e o que eu disse foi mais ou menos isto: "Porra, que música tão lamechas e pirosa. O que é isto?! Dá vontade de pegar num revólver e dar um tiro à queima-roupa no palhaço que escreveu e compôs esta porcaria, não dá?!" Para o facto de ter obtido como resposta somente os olhares reprovadores de todos os que naquela sala se encontravam, só anos mais tarde encontrei uma explicação. Aparentemente (e só soube disto em meados dos anos 90, vejam lá o meu alheamento a tudo o que diz respeito a essa bandeca...), a um iluminado cidadão norte-americano gordo e de óculos passou ideia semelhante pela cabeça, e decidiu mesmo colocá-la na prática. Poucas vezes terão sido os norte-americanos tão utilitarianamente produtivos para o bem no mundo quanto com essa atitude do senhor Chapman.

(é que a música é mesmo má, caramba. Má, má, má! Imagine all the people, o meu rabo!)

Atenção! Não é que eu não goste de uma coisinha ou outra. Há mesmo uma coisinha que eu gosto, não nos Beatles, mas no John Lennon a solo: chama-se Working Class Hero e, esta sim, é um verdadeiro hino que merecia ser cantado por todas as pessoas, não aquele nojo do Imagine, já para não falar na integralidade da discografia dos escaravelhos, cujo nome é adequado porque andavam sermpre a empurrar com bosta. Mas lá está, haver UMA música de jeito pelo meio das discografias de Beatles, John Lennon, McCartney (escarro!), Harrisson (gregório!) e Starr (defecação mole!) é menos do que uma gota em pleno oceano. Comparando, é como se o Passos Coelho decidisse, assim do nada, por uma medida positiva, digamos, enviar por e-mail fotografias da Sara Sampaio toda nua aos portugueses do sexo masculino (além de positiva, esta medida é, parece-me, rigorosamente constitucional!). Esta medida apagaria toda a incompetência a que tem sido votada a sua legislatura? Claro que não.

O mesmo vale, portanto, para os Beatles e os seus membros. Não há nada que atenue aquela baixeza. E como isso é assim, tê-los-ei sempre como meus ódios de estimação. Porque aquela onda de músicas ranhosas e visual oscilando entre o beto e o hippie revoltar-me-á até ao fim dos meus dias. E ai de quem, por ironia, gozo, ou desfaçatez, decida pôr o Imagine no dia do meu funeral. Não é que eu acredite em fantasmas, mas se alguém me fizer isso, arranjo maneira de me transformar num poltergeist e infernizar-lhe a vida.

Até à próxima e que os vossos cds dos Beatles se quebrem!

terça-feira, novembro 19, 2013

A morte dos artistas

O último jogo de futebol entre amigos teve um sabor agridoce. A minha equipa venceu por uns renhidíssimos 7-6, num jogo disputado em alta rotação. O facto de nenhum jornal desportivo ou telejornal generalista terem feito referência a esta magnífica partida demonstra na perfeição a falta de qualidade dos nossos meios de comunicação social... Nem uma notinha de rodapé a elogiar o meu maravilhoso golo, derivado de uma desmarcação genial e onde mais uma vez o meu pé esquerdo se mostrou de excepção, ao tirar o guarda-redes adversário da jogada com uma finta apenas ao alcance dos predestinados. Não vi falarem disto em lado algum, mas se o Cristiano Ronaldo cortar o cabelo, isso já dá direito a capa de jornal. Uma merda de jornalismo, é o que temos!...

O encontro em questão, porém, não deixou só notas positivas a mim e à minha equipa. Não: passados 17 anos desde que se estrearam num piso desportivo, os meus ténis, uns exemplares pretos da marca Fute, morreram. Morreram de pé - o téni esquerdo todo aberto na frente, o téni direito com a sola descolada - mas morreram. Foram as peças de calçado que mais tempo me duraram, e mesmo tendo sido alvo de uso intensivo, só agora, ao fim de - repito - 17 anos, é que se finaram. Passearam o seu perfume (e o meu chulé!) por vários locais da área metropolitana de Lisboa, marcaram centenas de golos, fintaram jogadores atrás de jogadores, mandaram uma ou outra cacetada, disputaram torneios em várias localidades, sempre com elevadíssima prestação, contudo chegou a hora final. Quis mandar cantar um Requiem em honra destes ténis no final do jogo, mas os meus companheiros estavam muito cansados, disseram, e os meus adversários declararam que isto era uma estupidez. Enfim, uns e outros bem podem ir bardamerda.

Pior é agora o vazio em que os meus pés se encontram. Não vai ser fácil substituir uns ténis de jogar à bola que se tornaram na referência dos ténis de jogar à bola. Entre os meus pés e aqueles ténis já se tinha gerado uma relação simbiótica: eu já não sei se eram os meus pés que se adaptavam na perfeição aos ténis ou se eram os ténis que se adaptavam na perfeição aos pés. Não sei eu e ninguém, estou certo, saberá. E não é de um dia para o outro que se apaga uma relação de quase 20 anos, para mais uma relação tão intensa...

Na próxima semana, voltarei a jogar futebol, desta feita com uns ténis novos. Não vai ser fácil a qualquer par de ténis estar à altura da herança deixada pelos meus saudosos ténis Fute. Prometo deixar aqui uma crónica do jogo em causa, mas profetizo de antemão que o fantasma dos meus ténis passados andará a pairar sobre aquele campo de relva sintética. Descansem em paz, eu nunca vos esquecerei, e os meus pés também não. E obrigado por tudo o que me deram.

segunda-feira, novembro 11, 2013

O xadrez e os preconceitos de classe

Em cada 10 vezes que jogo xadrez, perco 9. E as minhas derrotas derivam menos da incompreensão das regras do jogo, e mais dos meus preconceitos de classe.

Vou passar a explicar. O xadrez, como sabem, tem nas suas peças a simbolização dos três estratos da sociedade clássica: há a nobreza (rei, rainha), há o clero (bispo) e há o povo (peões). Acontece que eu, como bom esquerdista que sou, olho para as peças de xadrez de modo vertiginosamente distinto do que elas significam no jogo. Para mim, as peças relativas à nobreza e ao clero são desprezíveis; só tenho interesse verdadeiro no povo (os tais "preconceitos de classe" a que acima aludi). Por isso, quando jogo xadrez, jogo-o ao arrepio de tudo o que o senso comum ditaria a um outro jogador qualquer. Eu não sacrifico um peão para conquistar, sei lá, uma rainha adversária. Sacrifico, isso sim, a minha rainha (essa puta que anda para todos os lados!) para dar cabo de um peão, isto é, um membro do povo adversário, que um azar histórico o tornou meu inimigo (tradução de "azar histórico": um "tirar à sorte" que me coloca com as brancas e o outro jogador com as pretas... algo me diz que não foi exactamente isto que aconteceu com Napoleão e Wellington). Também nunca uso os meus peões para proteger as outras peças, por exemplo, um bispo ou o rei. Não: os meus peões são as minhas peças mais importantes e são as outras que os devem proteger!

Como é óbvio, a realidade do jogo de xadrez nada quer saber da minha ideologia proletária e disto deriva o facto de, em pouco mais de 10 minutos, eu me ver reduzido a quatro ou cinco peões e ao rei, que acaba de levar um xeque-mate de um complot de peças adversárias onde se contam a rainha, as duas torres, um bispo cabrão e pedófilo, e os dois cavalos. E é então que eu percebo ter a minha estratégia falhado redondamente. Sim, tenho todos os peões adversários em meu poder, e muitos dos meus continuam de pé, mas não é isto que conta no xadrez.

Isto merece-me uma reflexão. Ou eu aprendo a viver dentro do sistema e passo a agir de acordo com as regras, explícitas e implícitas, compreendendo nesse processo que as hierarquias estabelecidas devem ser respeitadas, e que o povo estará hoje e sempre abaixo do clero e da nobreza, ou então uma revolução social e popular é precisa, uma revolução que coloque o povo, as pessoas, como alfa e ómega dessa nova sociedade, esmagando a aristocracia e a beataria!

Ou então deixo-me destas coisas e abandono de vez o xadrez, que me faz mal à cabeça...

quarta-feira, novembro 06, 2013

Filmes (pelo menos) tão bons quanto os livros

Um lugar-comum dos mais lugares-comuns que existem é afirmar que o livro é melhor do que o filme. Isto é uma coisa que se diz, muitas das vezes, por pessoas que nem sequer viram o filme ou nem leram o livro, ou ambos. E como todas as generalizações, é problemática. Se é verdade nalguns casos - O Nome da Rosa do Annaud é bom, mas incomparável ao livro do Eco, o mesmo vale para a Insustentável Leveza do Ser, apesar de o filme mostrar a Binoche nua, também para o Ensaio sobre a cegueira, e estou só a citar filmes de que gostei, não vou ao ponto de descer aos filmes que detestei feitos sobre obras literárias que adorei -, noutros não o é minimamente. Eis a minha lista de filmes que são tão bons ou melhores do que os respectivos livros:

1 - Alta fidelidade. É tão bom quanto o livro. Já li várias coisas do Nick Hornby, que passeiam entre o sofrível (About a boy, que deu também um filme da treta, com o Hugh Grant), o interessante (Fever Pitch, um livro de crónicas sobre futebol) e o brilhante (precisamente, Alta fidelidade). O filme, não chapando por completo o livro, consegue ser tão bom quanto este. John Cusack é um protagonista convincente, Jack Black oferece o contraponto cómico à profundidade sentimental que atravessa a história, e aparece a Catherize Zeta Jones. Se o livro é cinco estrelas, o filme não fica atrás.

2 - Sin City. Lá por ser banda desenhada, não quer dizer que não estejamos perante uma OBRA no sentido verdadeiro do termo. Sou desde adolescente fã, fãzaço, do Frank Miller, que tenho como o melhor argumentista da nona arte. Sin City é Miller vintage: violento, denso, psicologicamente bem estruturado, visualmente atraente, composto num preto-e-branco expressivo - como é de resto habitual no trabalho de Miller. Seria tarefa complicadíssima transpor estas propriedades para ecrã, mas o filme do Robert Rodriguez fá-lo de modo magistral, tanto que por várias vezes abri a boca de espanto quando fui vê-lo ao cinema, julgo que no Monumental do Saldanha. Para mim, junto com The Watchmen (outra dupla filme/livro que poderia fazer parte desta lista), é a melhor adaptação para cinema de uma história originalmente composta em banda desenhada. Tão bom quanto o livro.

3 - Relatório minoritário. Aqui, o filme é um poucochinho melhor que o livro. Atenção: eu gosto do conto. Muito. O Philip K. Dick é dos meus autores preferidos de ficção científica. Mas o filme dá a volta por completo ao texto, diferencia-se dele, melhora-o. Não sendo propriamente uma adaptação e mais uma "inspiração" (há que ler o conto e ver o filme para se perceber como são tão distintos um do outro), o Relatório minoritário do Spielberg consegue acrescentar enredo e reforçar a ideia de distopia presente no conto (recordo: um mecanismo que permite deter os criminosos antes que eles cometam os crimes. Deveria ser obrigatório tê-lo antes de todas as nomeações de árbitros para jogos do FC Porto...). Junto com A lista de Schindler, Relatório minoritário é o melhor filme de Steven Spielberg. Boa história, bons efeitos especiais, bom ritmo, coisas que a presença de manjões como o Tó Cruz e o Colo Farelo não conseguem estragar. Só mais uma breve nótula: TODOS os filmes que eu vi adaptados de contos escritos pelo Philip K. Dick são bons. Este, o Desafio Total (cujo filme é também tão bom quanto o texto) e, claro, o Blade Runner (de que vi o filme, excelente, mas não posso comparar com o livro porque ainda não o li). Se eu cometesse o pecado da generalização cometido pelos incautos apologistas do "livro melhor que o filme", diria, baseado na minha experiência, que não poderá haver um filme baseado numa obra do Philip K. Dick que seja um mau filme. Mas não vou dizê-lo, claro. Porque seria falso, embora seja verdadeiro. Hã?!? Pois... Não queiram desmontar esta minha lógica. Ainda ficam com problemas na coluna!

Dou só estes três exemplos que desbastam o velho cliché do "o livro é melhor do que o filme". Mais poderiam ser citados. Mas isso só o farei quando começar a gravar o Peter of Pan, o filme, que vai ser bastante melhor do que o blogue (também não era preciso muito!), pois vai ter efeitos especiais do mais moderno que há e gajas, muitas gajas. Todas nuas. E golos do Sporting. Também muitos. É esperar para ver.

segunda-feira, novembro 04, 2013

Não tentem fazer isto na rua!

Início da tarde de sábado. Levo o miúdo no carro para dar um passeio. Nisto, começo a sentir a direcção do veículo a ficar pesada. "Hmmm, aqui há coisa", penso eu. Paro o carro: o pneu frontal do lado esquerdo esvazia-se a olhos vistos. A razão? Um rasgão longitudinal. "Dass, bela hora para furar o pneu", cogito em ironia, como se houvesse uma boa hora para tal coisa ocorrer.

Nada a fazer: há que trocar o pneu. Rápido como um tiro, esvazio o porta-malas (que anda sempre cheiinho: carrinho de bebé, mais as coisas do carrinho do bebé (cobertura, etc. - enfim, baby tuning), macaco, pneu sobressalente, chave de cruz.

Tudo bem, isto é coisa a que um macho está habituado, pois tem gravado na sua matriz genética o saber mudar um pneu. Há apenas um pequenito (e, aqui, o termo não é inocentemente usado...) problema: sempre que me baixo para colocar o macaco/desaparafusar as porcas/tirar o pneu furado/colocar o pneu sobressalente/apertar as porcas/tirar o macaco, o puto, sentado no carro, deixa de me ver. E quando deixa de me ver, se num mundo ideal deveria ficar quieto e calado, no mundo real é berrario e pontapé de fazer inveja aos integrantes da Casa dos Segredos/Big Brother/demais programas da treta da TVI, incluindo as entrevistas ao prof. Marcelo.

Daí que a minha odisseia de mudança de pneu tivesse sido digna de uma modalidade olímpica, porque de 5 em 5 segundos tinha de me levantar para que o miúdo se calasse. Não contei o número de flexões de pernas efectuadas, mas foi elevadíssimo, estou certo, tão elevado quanto o número de vezes que o Paulo Portas deve dizer, em surdina, à Maria Luís Albuquerque a frase "nós não percebemos mesmo um cu disto!" Visto pela minha criança, eu devia parecer um daqueles bonecos do whack-a-mole: tão depressa estava lá em baixo quanto estava cá em cima outra vez.

Pressionado que estava pela choradeira do miúdo, tive uma prestação quase usainboltiana na troca do pneu. A pressa foi tanta e a atenção ao que ia fazendo tão pouca que temi pegar no carro e ver a roda saltar - ou, com a sorte que tenho, a roda trocada ficaria bem, mas saltariam as outras três dos respectivos eixos. Felizmente, nenhum destes cenários se verificou. Nenhuma roda saiu a correr pelo meio da estrada e chegámos a casa sãos e salvos, quer dizer, mais ou menos, porque ainda estou com um problema muscular nas pernas fruto de tanto sobe-e-desce.

Moral da história: não tentem mudar pneus com filhos menores sozinhos no carro. Da próxima vez, insisto em ficar eu no carro e o meu filho que mude o pneu!