quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Mind the gap


Todo o santo dia ouço, como se ficasse tatuada no meu cérebro, a mesma mensagem gravada: "Senhores passageiros, pedimos que se afastem do limite da plataforma". Sempre a mesma lenga-lenga. O pedido, contudo, padece de alguma estranheza. Primeiro, não avisa por que é que querem que os passageiros se afastem. Pronto, está bem, qualquer pessoa com dois meios dedos de testa sabe: se nos aproximarmos demasiado da plataforma, corremos o risco de apanhar com um comboio mesmo no meio da tromba. De qualquer forma, a mensagem é omissa nesse sentido.

Essa omissão liga-se ao outro aspecto estranho do apelo: por vezes, é proferido com algum anacronismo. Especifico: há alturas em que uma pessoa está na estação, aguardando pelo seu comboio que só chega dali a 10 minutos, e sabe que não vai chegar mais nenhum comboio entretanto, e então põe-se a ocupar o cérebro com coisas irrisórias, só para passar o tempo até que o comboio chegue, e pensa então nos calções de banho rasgados que o primo Paulito levou para a praia no ano de 1983, e na congestão que a tia-avó Miquelina apanhou após um jantar de família em Montemor-o-Novo na noite de Natal de 1979, e no arroto que a vizinha Teresa deu no velório do Sr. Julião em 1996, no preciso momento em que o Figo marcava um golo à Croácia no Euro-96, e caramba, este período está a ficar mesmo longo, além de abusar da cópula "e" até à exaustão, parece um texto do Cormac McCarthy, não sei se já leram o Este País Não É Para Velhos, bem, aquilo é só "e" atrás de "e", do género, "E Chigurgh [é aquele assassino com cabelo esquisito interpretado pelo Javier Bardem no filme dos manos Coen] pega na pistola pneumática e levanta-a acima da cabeça e rebenta o canhão da fechadura e entra no quarto e apanha o canhão e coiso e tal", é mais ou menos isto, não me lembro exactamente de nenhuma frase do livro e não o tenho à mão para reproduzir ipsis verbis. E com tudo isto, perdi-me...

Ah, já sei, pois: está uma pessoa à espera do comboio, que só chega dali a outros quinhentos, e no entanto ouve os altifalantes da estação a perorar aquela mensagem: "Senhores passageiros, pedimos que se afastem do limite da plataforma". A pessoa fica então a pensar: "mas que raios? Se o comboio só passa daqui a 10 minutos, para que raio eles estão a avisar isto?!" E é aqui que a omissão acerca do que é que pode acontecer se as pessoas não arredarem pé do limite da plataforma se torna perigosa. Se não vem lá nenhum comboio, que terror se esconde junto do limite da plataforma, terror esse que justifica o aviso por parte da estação mas que não pode ser nomeado, como se fosse o Voldemort que estivesse a irromper por entre os carris? Já sabemos que "Senhores passageiros, pedimos que se afastem do limite da plataforma, caso contrário levará com um comboio nos cornos" é falsa porque não vem lá comboio nenhum, mas a coisa intriga. O que pode acontecer se não nos afastarmos da plataforma quando o comboio ainda dista cerca de 50km?!

O IVA aumenta para 25%?

A Rita Pereira cessa de aparecer com decotes generosos?

O Pinto da Costa promove um golpe de Estado e os ministérios são todos ocupados por raparigas da má vida?

Deixa de passar futebol nas televisões?

O Renato Seabra é libertado e monta uma empresa de fabrico de saca-rolhas?

O Sporting vende o seu melhor jogador?

Estão espalhadas pelos carris fotos do Alberto João Jardim nu, visíveis a qualquer pessoa que se aproxime da plataforma?

A Manuela Moura Guedes inventa de tentar saber até onde consegue abrir a boca e acaba por engolir o planeta inteiro?

O Cavaco é eleito para um segundo mandato?

É aprovado um novo Acordo Ortográfico que proíbe os indivíduos de escreverem insultos a deputados?

Gostava que me explicassem o que pode acontecer, ai isso gostava...

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