Mais do que um concerto, o que se viveu ontem no Pavilhão Atlântico foi uma celebração. Dois dinossauros do heavy metal vieram a Lisboa, atraindo ao Parque das Nações uma multidão de gente feita, e eu no meio. As pessoas ditas "normais" que por ali passeavam decerto estranharam aquela invasão de indivíduos vestidos de preto: podia ler-se, naquelas expressões de espanto de quem se cruzava com milhares de metaleiros, algo como "Olá!... mas tanta gente de preto porquê?! Querem ver que Portugal finalmente morreu e hoje é o dia do funeral?! E ninguém me avisa?! E se Portugal morreu, isso quer dizer que já não pago mais impostos?".
Mas nestas ocasiões, o preto é mesmo obrigatório. À entrada do recinto, vi um gajo cuja t-shirt era só preta na parte de cima e ele foi logo cercado por meia dúzia de guedelhudos, pontapeado, socado, arrastado pelo chão e atropelado por um automóvel até o resto da t-shirt ficar toda preta. Eu próprio fui abordado, visto que tinha levado umas calças clarinhas, e só me safei graças à minha prodigiosa presença de espírito, que reproduzo no diálogo abaixo:
Grupo de metaleiros: ouve lá, que 'tás aqui a fazer?
Eu: venho ver o concerto, oras!
Grupo de metaleiros: mas... e essas calças?! Essas calças não são pretas! Assim não entras!
Eu: sim, eu sei, mas é de propósito. Vesti umas calças clarinhas por uma questão de ironia!
Grupo de metaleiros: hmm... hã... (sussurando uns para os outros) O que é uma ironia, meu?!... hmmm... hã... (para mim) Pronto, está bem, passa lá, mas não ironizes muito, 'tá bem?!
Mas não é só a vestimenta que caracteriza a tribo metaleira. Nós, metaleiros, temos uma forma muito particular de comunicarmos. Antes de mais, os gestos são muito importantes. Saber fazer corninhos com as mãos é fundamental. E há toda uma semiótica no headbanging. Não se pense, porém, que os metaleiros descuram a comunicação verbal: comunicamos verbalmente, sim! Aliás, a comunicação verbal é tão indispensável que nós, metaleiros, não falamos uns com os outros - GRITAMOS! Tudo em prol de uma maior eficácia comunicativa e para que se perca menos da mensagem no trânsito desta entre o emissor e o receptor. Assim, ninguém, nas filas para se entrar no Pavilhão Atlântico, perguntava "Então, e o que achaste do último álbum de Slayer?". O que acontecia era:
Um metaleiro: ENTÃO, E O QUE ACHASTE DO ÚLTIMO ÁLBUM DE SLAYER?
Outro metaleiro: O QUÊ?! GRITA MAIS ALTO PARA QUE O TEU DISCURSO NÃO SE PERCA NO MEIO DESTE CANAL DE COMUNICAÇÃO TÃO PERNICIOSO COMO É O AR, E EU ASSIM POSSA RESPONDER-TE COM IGUAL EFICÁCIA!
Um metaleiro: ENTÃO, E O QUE ACHASTE DO ÚLTIMO ÁLBUM DE SLAYER, C*RALHO?!
Outro metaleiro: O ÚLTIMO DE SLAYER? F*DA-SE, ESPECTÁCULO! SLAAAAAAYEEEEER!!
Todos os metaleiros em redor: AQUELE GAJO GRITOU SLAYER?! SLAAAAAAAAYEEEEER!!!
E depois pronto, fica tudo aos berros a gritar os nomes das bandas, pois é algo que também faz parte dos preparativos para um concerto. "MEGADETH" e "SLAYER" foram, portanto, os vocábulos mais escutados na noite passada, mas posso jurar que também vi um estúpido qualquer a gritar "GODINHO LOPES", mas esse foi rapidamente calado através de uma grade de ferro aplicada mesmo bem no meio dos cornos.
Contudo, estes casos de violência são apenas a excepção. Por detrás da aparência agressiva, nós metaleiros somos uns amores de pessoas. Sim, andamos à biqueirada e ao mosh durante os concertos, mas tudo dentro de uma atmosfera saudável e solidária. Se um gajo falha um mosh e aterra de tromba no meio do chão, os outros metaleiros são solícitos em descolar-lhe a cara do soalho. Se um tipo apanha uma fractura exposta como resultado de uma biqueirada mandada por um metaleiro com Doc Martens, os outros metaleiros aplicam-lhe logo ali um torniquete. Vejam lá se vêem disto nos concertos do Tony Carreira. É o vêem... aí sim, há violência gratuita e pancada da grossa, como comprova um vídeo recentemente exibido no youtube, mas que eu não vou aqui reproduzir porque estamos num tópico de música de qualidade.
A comprovar o agradável ambiente que se vivia no Pavilhão Atlântico estão as várias famílias que por lá vi passar. Sendo duas bandas com carreiras de quase 30 anos, é natural que os seus fãs atravessem gerações, mas apanhar com um pai de 50 anos, envergando uma longsleeve de Slayer (ups, desculpem: SLAAAAAAYEEEEEER! Assim é que é!) e um casaco de cabedal, a acompanhar a filha de não mais de 15, também ela vestida a rigor, e o namorado desta, foi algo que quase me fez chegar as lágrimas aos olhos. E também vi, já no final do concerto, outro pai, igualmente cinquentão, com a mão no ombro do filho, um petiz de aí uns 12 anos, e a perguntar-lhe "Então, e gostaste do riff da Black Magic? Foi lindo, não foi?". São coisas destas, pá, que me fazem pensar que o mundo, afinal, ainda pode ter solução.
Bom, mas e quanto aos concertos em si?! Eis a minha opinião: quando estamos perante dois pesos pesados da envergadura de Megadeth e Slayer, é quase certo que não pode sair um mau espectáculo. O de ontem foi bom, e só não foi melhor porque o Pavilhão Atlântico tem a mania de brindar a assistência com uma acústica, digamos, ora qual é a melhor palavra... ah, merdosa. O som estava em muitos momentos algo embrulhado, o que tinha como consequência fazer o heavy metal que brotava dos amplificadores assemelhar-se a barulho. A BARULHO! Ora, onde é que já se viu, apanhar com barulho num concerto de heavy metal?!? Tss, tss...
Uma última nota, esta mais pessoal. Sim, estou todo partido. Tenho um calcanhar todo lixado e a zona cervical toda f*dida, fruto decerto de tanto tempo seguido em furioso headbanging. E tenho sono, bolas. Mesmo sono. Tanto sono que hoje de manhã, por engano, quase enfiei umas calças da gaja. Felizmente, dei pela coisa a tempo no momento em que, ao forçar uma das pernas, rasguei as calças. Ainda bem que tal sucedeu, senão poderia ter ocorrido uma tragédia...
Mas nestas ocasiões, o preto é mesmo obrigatório. À entrada do recinto, vi um gajo cuja t-shirt era só preta na parte de cima e ele foi logo cercado por meia dúzia de guedelhudos, pontapeado, socado, arrastado pelo chão e atropelado por um automóvel até o resto da t-shirt ficar toda preta. Eu próprio fui abordado, visto que tinha levado umas calças clarinhas, e só me safei graças à minha prodigiosa presença de espírito, que reproduzo no diálogo abaixo:
Grupo de metaleiros: ouve lá, que 'tás aqui a fazer?
Eu: venho ver o concerto, oras!
Grupo de metaleiros: mas... e essas calças?! Essas calças não são pretas! Assim não entras!
Eu: sim, eu sei, mas é de propósito. Vesti umas calças clarinhas por uma questão de ironia!
Grupo de metaleiros: hmm... hã... (sussurando uns para os outros) O que é uma ironia, meu?!... hmmm... hã... (para mim) Pronto, está bem, passa lá, mas não ironizes muito, 'tá bem?!
Mas não é só a vestimenta que caracteriza a tribo metaleira. Nós, metaleiros, temos uma forma muito particular de comunicarmos. Antes de mais, os gestos são muito importantes. Saber fazer corninhos com as mãos é fundamental. E há toda uma semiótica no headbanging. Não se pense, porém, que os metaleiros descuram a comunicação verbal: comunicamos verbalmente, sim! Aliás, a comunicação verbal é tão indispensável que nós, metaleiros, não falamos uns com os outros - GRITAMOS! Tudo em prol de uma maior eficácia comunicativa e para que se perca menos da mensagem no trânsito desta entre o emissor e o receptor. Assim, ninguém, nas filas para se entrar no Pavilhão Atlântico, perguntava "Então, e o que achaste do último álbum de Slayer?". O que acontecia era:
Um metaleiro: ENTÃO, E O QUE ACHASTE DO ÚLTIMO ÁLBUM DE SLAYER?
Outro metaleiro: O QUÊ?! GRITA MAIS ALTO PARA QUE O TEU DISCURSO NÃO SE PERCA NO MEIO DESTE CANAL DE COMUNICAÇÃO TÃO PERNICIOSO COMO É O AR, E EU ASSIM POSSA RESPONDER-TE COM IGUAL EFICÁCIA!
Um metaleiro: ENTÃO, E O QUE ACHASTE DO ÚLTIMO ÁLBUM DE SLAYER, C*RALHO?!
Outro metaleiro: O ÚLTIMO DE SLAYER? F*DA-SE, ESPECTÁCULO! SLAAAAAAYEEEEER!!
Todos os metaleiros em redor: AQUELE GAJO GRITOU SLAYER?! SLAAAAAAAAYEEEEER!!!
E depois pronto, fica tudo aos berros a gritar os nomes das bandas, pois é algo que também faz parte dos preparativos para um concerto. "MEGADETH" e "SLAYER" foram, portanto, os vocábulos mais escutados na noite passada, mas posso jurar que também vi um estúpido qualquer a gritar "GODINHO LOPES", mas esse foi rapidamente calado através de uma grade de ferro aplicada mesmo bem no meio dos cornos.
Contudo, estes casos de violência são apenas a excepção. Por detrás da aparência agressiva, nós metaleiros somos uns amores de pessoas. Sim, andamos à biqueirada e ao mosh durante os concertos, mas tudo dentro de uma atmosfera saudável e solidária. Se um gajo falha um mosh e aterra de tromba no meio do chão, os outros metaleiros são solícitos em descolar-lhe a cara do soalho. Se um tipo apanha uma fractura exposta como resultado de uma biqueirada mandada por um metaleiro com Doc Martens, os outros metaleiros aplicam-lhe logo ali um torniquete. Vejam lá se vêem disto nos concertos do Tony Carreira. É o vêem... aí sim, há violência gratuita e pancada da grossa, como comprova um vídeo recentemente exibido no youtube, mas que eu não vou aqui reproduzir porque estamos num tópico de música de qualidade.
A comprovar o agradável ambiente que se vivia no Pavilhão Atlântico estão as várias famílias que por lá vi passar. Sendo duas bandas com carreiras de quase 30 anos, é natural que os seus fãs atravessem gerações, mas apanhar com um pai de 50 anos, envergando uma longsleeve de Slayer (ups, desculpem: SLAAAAAAYEEEEEER! Assim é que é!) e um casaco de cabedal, a acompanhar a filha de não mais de 15, também ela vestida a rigor, e o namorado desta, foi algo que quase me fez chegar as lágrimas aos olhos. E também vi, já no final do concerto, outro pai, igualmente cinquentão, com a mão no ombro do filho, um petiz de aí uns 12 anos, e a perguntar-lhe "Então, e gostaste do riff da Black Magic? Foi lindo, não foi?". São coisas destas, pá, que me fazem pensar que o mundo, afinal, ainda pode ter solução.
Bom, mas e quanto aos concertos em si?! Eis a minha opinião: quando estamos perante dois pesos pesados da envergadura de Megadeth e Slayer, é quase certo que não pode sair um mau espectáculo. O de ontem foi bom, e só não foi melhor porque o Pavilhão Atlântico tem a mania de brindar a assistência com uma acústica, digamos, ora qual é a melhor palavra... ah, merdosa. O som estava em muitos momentos algo embrulhado, o que tinha como consequência fazer o heavy metal que brotava dos amplificadores assemelhar-se a barulho. A BARULHO! Ora, onde é que já se viu, apanhar com barulho num concerto de heavy metal?!? Tss, tss...
Uma última nota, esta mais pessoal. Sim, estou todo partido. Tenho um calcanhar todo lixado e a zona cervical toda f*dida, fruto decerto de tanto tempo seguido em furioso headbanging. E tenho sono, bolas. Mesmo sono. Tanto sono que hoje de manhã, por engano, quase enfiei umas calças da gaja. Felizmente, dei pela coisa a tempo no momento em que, ao forçar uma das pernas, rasguei as calças. Ainda bem que tal sucedeu, senão poderia ter ocorrido uma tragédia...