sexta-feira, fevereiro 24, 2012

A evolução das discussões ao longo dos anos

Neste post, vou comprovar uma tese. A tese é: à medida que vamos ficando velhos, o teor das nossas discussões eleva-se, mas a maneira como desenvolvemos tais discussões mantém-se. Ou seja, com a idade, a metafísica vai-se distanciando da epistemologia. Não perceberam esta última frase? Não se preocupem, eu também não, coloquei-a só para dar um ar de coiso.

Passarei de seguida à demonstração. Lembram-se quando eram pequenos? Eu, embora tenha uma memória digna de um doente de Alzheimer, lembro-me. E sei bem como eram as discussões nessa época. Dou-vos só dois exemplos, que tenho a certeza despertarão em vós centenas de episódios semelhantes:

Discussão típica #1:

Eu: Iá, o Super-Homem dava porrada no Batman.
Amigo: Não dava! O Batman é que vencia o Super-Homem.
Eu: Ihhh, ganda estúpido! O Super-Homem tem superpoderes, tipo superforça, super-raios dos olhos, supervelocidade...
Amigo: Cala-te! O Batman tem um bruta carrão e tem um cinto com bués cenas.
Eu: És estúpido!
Amigo: Tu é que és!
Eu: Tu é que és mil vezes!
Amigo: Tu é que és duas mil vezes!

Discussão típica #2:

Eu: Iá, o Sporting é bué melhor que o Benfica.
Amigo: Iá.
Eu: E quando os dois jogarem, o Sporting vai ganhar 5 a 0.
Amigo: Vai ser 10 a 0.
Eu: Ihhh, tantos?! Vai ser 5, vais ver.
Amigo: Uma merda. Vão ser 10.
Eu: 5.
Amigo: 10.
Eu: És estúpido!
Amigo: Tu é que és!
Eu: Tu é que és mil vezes!
Amigo: Tu é que és duas mil vezes!

Estou convicto de que vocês, agora, estão a derramar uma lagriminha pela face, ao recordarem-se de discussões iguais a estas nos vossos tempos de infância. Argumentações similares ocupavam grande parte dos nossos tempos livres. Com a idade, porém, os assuntos vão sendo outros. Em lugar de discutirmos qual é o super-herói que dá um enxerto no outro, ou por quantos o Sporting vai vencer o Benfica, passamos a ter altercações sobre questões supostamente mais refinadas, como política, literatura, filosofia, arte. Mas a essência da discussão, essa, como eu quero mostrar, mantém-se. Ainda há dois dias, tive este acalorado e aceso diálogo com uma amiga minha:

Eu: Pá, o Klimt não vale nada.
Amiga: Hã? Não estás a falar a sério, pois não?
Eu: Estou, estou. O Klimt é uma porcaria.
Amiga: Não é nada!
Eu: É sim. As obras dele são pirosas como tudo. E feias. Já me viste aquela porcaria d'O Beijo?! Como é possível aquilo estar num museu?! Aquilo é horrível!
Amiga: Não é nada, é lindo. Horríveis são os rabiscos a que chamas arte. Como é que podes gostar do Pollock?! Até o meu cão fazia melhor!
Eu: És estúpida!
Amiga: Tu é que és!
Eu: Tu é que és mil vezes!
Amigo: Tu é que és duas mil vezes!

E pronto. Tese comprovada! O que é que mudou aqui?! Tirando a elevação do tema, e considerando - o que não é de todo líquido - que falar sobre arte contemporânea é um tema mais elevado do que falar sobre porrada entre personagens fictícias ou sobre a possibilidade de o Sporting espetar 5 ou 10 no Benfica (à sua maneira, também uma ficção...), com o que ficamos? Exactamente com as mesmas criancices de sempre. E quem diz arte, diz outras coisas. Há cerca de um mês, estive quase a andar à porrada com um colega de trabalho porque um de nós (eu) teimava que a escrita lobo antunesiana ia beber muito ao Vergílio Ferreira da época de um Nítido Nulo, e o meu colega dizia que não, isso era uma idiotice. Mais uma vez, lá está: assuntos elevados, mas a mesma maneira de os colocar.

Portanto, tenho ou não tenho razão?! Claro que tenho. E se não concordam, é porque são estúpidos infinitas vezes!

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