quarta-feira, abril 20, 2011

E depois o povo é que é javardo e mal educado e o caraças...

Ora vejam lá isto:

"A alimentação da família real era (...) bastante escrutinada: um rei que arrotava e que emitia muitos ruídos enquanto comia era criticado, o mesmo acontecendo com os membros da família régia que se alimentavam em quantidades imoderadas (...). O príncipe Filipe - futuro D. Filipe II de Portugal - gostava muito de comer, ao ponto de García de Loyasa lhe ter recomendado, em 1591, que se moderasse. E também as mulheres da família real estavam sujeitas a este tipo de escrutínio: D. Maria Francisca, por exemplo, gostava de beber grandes quantidades de vinho, tendo sido por diversas vezes repreendida por Pedro II, seu marido. São vários os observadores estrangeiros que criticam, também, a falta de maneiras dos reis portugueses à mesa, de que o caso mais espectacular é, talvez, o de D. Pedro II durante a década de 1960, diversas vezes visto por um diplomata francês a comer um naco de carne, usado somente as mãos e sentado num toco de madeira.
Muito criticado também foi D. Afonso VI por causa dos seus hábitos alimentares. Para além da falta de moderação a comer, distinguia-se pela sua intemperança, pela sua predilecção por carne crua e pelo facto de gostar de comer na cama, comportamento tido como indecoroso, não saudável e, até, antinatural."

Citação retirada de Pedro Cardim, "A corte régia e o alargamento da esfera privada", in História da Vida Privada em Portugal: A Idade Moderna, Lisboa, Temas & Debates, 2010.

"Portantos", vamos lá a ver se eu percebi bem: o povo, isto é, a gente comum, é tantas e tantas vezes acusado de conduta inadequada à mesa, de má educação, de javardice e tal só porque, de quando em vez, lança um ou outro arroto ou até um gás, mas e o que se verifica com as nossas grandes figuras de estado?!? Uns também arrotavam (deve ser a isto a que se referem os monárquicos de hoje em dia quando falam da proximidade entre povo e reis...), outros eram glutões, outras embebedavam-se, e assim por diante. E o que dizer do Afonso VI? Pá, o Afonso VI é de outro mundo: carne crua?!?! Comer na cama?!?! Estou mesmo a ver a rainha consorte, D. Maria Francisca (sim, a mesma bêbeda que, depois da deposição de Afonso VI, viria a casar-se com Pedro II), no leito real a virar-se para o Afonso e perguntar-lhe: "Olá! Mas o que é isto aqui tão rijo que estou a sentir entre as pernas de Sua Majestade? É hoje que vamos consumar o nosso matrimónio?", só para ter como resposta um "Não, estúpida! Isso é o pernil de perú que sobrou do jantar. Está aí guardado porque daqui a pouco vou dar-lhe uma trinca". E depois desta frase, claro, arrotaria. E peidava-se. Enfim, não admira que lhe tenham posto um processo em cima.

E ainda há quem olhe de lado para mim quando, num restaurante público, eu coço os tintins depois da sobremesa... Tenham juízo, caramba!

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