quinta-feira, outubro 14, 2010

O lugar d'O Clube dos Poetas Mortos no imaginário juvenil dos anos 90 do século XX

Epá, gostaram deste título?!?! Muito académico pós-moderno, hã?!? Tenho no meu cérebro uma larga zona encefálica que não faz mais do que gerar títulos manhosos destes. Uma estupidez, é verdade, mas há uma vantagem nisto: os neurónios desta zona encefálica sobrepõem-se, cá dentro, aos neurónios que processam a informação destinada a realizar tarefas domésticas, dando-me assim uma desculpa neurologicamente sustentada para não lavar a loiça.

Bom, e O Clube dos Poetas Mortos porquê? Porque ontem passou no Hollywood e ao fazê-lo reavivou-me algumas memórias. O Clube dos Poetas Mortos era, nos anos 90 o filme mais in para os adolescentes. Dizer que se gostava deste filme era, em certas esferas, mais cool do que meter um casaco de cabedal e uns óculos escuros num tigre de Bengala. Se, por hipótese, eu no secundário chegasse junto de um grupo de raparigas de 16-17 aninhos e lhes dissesse "Iá, tipo, 'tão a ver, ontem aluguei o VHS d'O Clube dos Poetas Mortos e é, tipo, o melhor filme que já vi, tipo, iá!", podem estar certos que tinha engates garantidos até ao final do ano lectivo em curso. Isto porque as miúdinhas ficavam todas derretidas com a imagem que era passada, e a imagem que se passava era a de um jovem sensível e intelectual, mas ao mesmo tempo rebelde. E as tipas, pá, as adolescentes adoram esta merda, estejamos nos anos 90 do século XX ou nos anos 3653456 do século DVIII.

Mas eu nunca fiz isto. Por duas razões muito simples: primeiro, porque O Clube dos Poetas Mortos nunca, em tempo algum, foi o melhor filme que já vi, e portanto dizer a um bando de grelos que era o melhor filme que já tinha visto não passaria de uma mentira, e eu só gosto de mentir quando digo que o Sporting é o clube mais fantástico e que dá mais alegrias do mundo

Segundo porque, como eu disse atrás, o filme só era cool em algumas esferas, designadamente nas esferas femininas. Se o meu grupo de amigos rapazes imaginasse sequer que eu sabia o nome daquele filme, ficaria impedido de jogar à bola por dois meses. Se eles soubessem que eu tinha visto o filme, levaria porrada todos os dias à saída da escola. E se lhes chegasse aos ouvidos que eu dissera ser O Clube dos Poetas Mortos o meu filme favorito, as consequências seriam de tal forma dramáticas que fariam o desastre humanitário do Darfur parecer um musical do La Féria. Se o nosso filme favorito não fosse o Rambo, ou o Comando, ou o Assalto ao Arranha-Céus, não éramos bem vistos pelos pirilaus do bairro ou da escola.

Portanto, um adolescente nos anos 90 teria de ter muito cuidado com O Clube dos Poetas Mortos. Por um lado, este filme era a chave para entrar no mundo das gajas; por outro lado significava a ostracização do mundo dos gajos. Estava-se perante um dilema, portanto. E eu, que tinha visto O Clube dos Poetas Mortos, nunca tive coragem de sair do armário e dizer que efectivamente tinha gostado. Porque tinha medo do que pudesse acontecer.

Houve um dia, no intervalo entre uma aula de Introdução às TIC e uma de Português, que me cheguei junto da Sara, da Cristiana e da Micaela, que eu sabia terem adorado o filme e quase, quase me deixei levar. Olhei para todos os lados e preparei-me para lhes dizer que sim, também eu tinha visto O Clube dos Poetas Mortos e sim, achara bom, melhor do que todas as sequelas do Rocky, e que deveríamos ir, eu e elas, declamar poesia todos nus para a minha casa, mas acobardei-me ao ver o Lúcio caminhar a menos de 5 metros de onde nós estávamos, de maneiras que, para disfarçar, perguntei às gajas se elas também tinham a sensação de que a setôra de Filosofia cheirava mal da boca.

Hoje em dia, já posso dizer que O Clube dos Poetas Mortos é um filme fixe. Já não sofrerei retaliações. Infelizmente, também já não ganharei nada com isso: as adolescentes dos anos 90 que se derretiam com rapazes sensíveis, intelectuais e rebeldes agora têm outros interesses na vida, nomeadamente senhores ricos, bem vestidos, de sangue azul e que gostem dos filmes do Cotinelli Telmo, e com estas merdas eu não posso competir. E também já não posso chegar junto das adolescentes de hoje e passar a imagem do jovem sensível, intelectual e rebelde porque, sinceramente, falta-me a parte do jovem...

...enfim, ao menos livrei-me de levar porrada durante a minha adolescência!

2 comentários:

artnis disse...

Há lagartos com piada.
O que nunca será o caso do gajo que lava as trombas na sanita!

Henrique Vogado disse...

A minha professora de filosofia do 10º ano convidou a turma a ir ver o filme ao cinema. "Carpe diem" e poesia para teenagers.
Eu não fui. Mas gosto do filme.