terça-feira, novembro 19, 2013

A morte dos artistas

O último jogo de futebol entre amigos teve um sabor agridoce. A minha equipa venceu por uns renhidíssimos 7-6, num jogo disputado em alta rotação. O facto de nenhum jornal desportivo ou telejornal generalista terem feito referência a esta magnífica partida demonstra na perfeição a falta de qualidade dos nossos meios de comunicação social... Nem uma notinha de rodapé a elogiar o meu maravilhoso golo, derivado de uma desmarcação genial e onde mais uma vez o meu pé esquerdo se mostrou de excepção, ao tirar o guarda-redes adversário da jogada com uma finta apenas ao alcance dos predestinados. Não vi falarem disto em lado algum, mas se o Cristiano Ronaldo cortar o cabelo, isso já dá direito a capa de jornal. Uma merda de jornalismo, é o que temos!...

O encontro em questão, porém, não deixou só notas positivas a mim e à minha equipa. Não: passados 17 anos desde que se estrearam num piso desportivo, os meus ténis, uns exemplares pretos da marca Fute, morreram. Morreram de pé - o téni esquerdo todo aberto na frente, o téni direito com a sola descolada - mas morreram. Foram as peças de calçado que mais tempo me duraram, e mesmo tendo sido alvo de uso intensivo, só agora, ao fim de - repito - 17 anos, é que se finaram. Passearam o seu perfume (e o meu chulé!) por vários locais da área metropolitana de Lisboa, marcaram centenas de golos, fintaram jogadores atrás de jogadores, mandaram uma ou outra cacetada, disputaram torneios em várias localidades, sempre com elevadíssima prestação, contudo chegou a hora final. Quis mandar cantar um Requiem em honra destes ténis no final do jogo, mas os meus companheiros estavam muito cansados, disseram, e os meus adversários declararam que isto era uma estupidez. Enfim, uns e outros bem podem ir bardamerda.

Pior é agora o vazio em que os meus pés se encontram. Não vai ser fácil substituir uns ténis de jogar à bola que se tornaram na referência dos ténis de jogar à bola. Entre os meus pés e aqueles ténis já se tinha gerado uma relação simbiótica: eu já não sei se eram os meus pés que se adaptavam na perfeição aos ténis ou se eram os ténis que se adaptavam na perfeição aos pés. Não sei eu e ninguém, estou certo, saberá. E não é de um dia para o outro que se apaga uma relação de quase 20 anos, para mais uma relação tão intensa...

Na próxima semana, voltarei a jogar futebol, desta feita com uns ténis novos. Não vai ser fácil a qualquer par de ténis estar à altura da herança deixada pelos meus saudosos ténis Fute. Prometo deixar aqui uma crónica do jogo em causa, mas profetizo de antemão que o fantasma dos meus ténis passados andará a pairar sobre aquele campo de relva sintética. Descansem em paz, eu nunca vos esquecerei, e os meus pés também não. E obrigado por tudo o que me deram.

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