sexta-feira, setembro 24, 2010

Incomodado no comboio

Quando vou no comboio, há duas coisas que gosto de fazer:

1 - Ouvir música, porque sou um musicófilo, e porque assim não tenho de apanhar com as conversas de chacha dos outros passageiros. Normalmente, sou bem sucedido, excepto quando à bateria do meu leitor de mp3 lhe dá para se armar em economia grega e pifa, o palhaço.

2 - Ler, porque com o trabalho, as aulas e sei lá mais o quê, sobra pouco tempo e espaço para a leitura sem ser nos transportes públicos.

(também gosto, no comboio, de soltar puns e acusar, só com o olhar, quem se senta à minha frente, mas não vou numerar este pormenor, tal como não numero outra coisa que muito me dá gozo, e que é pensar em mamas quando vejo muitos "m" seguidos na mesma página que estou a ler. Enfim, faz de conta que não vos contei nada, ok?)

Como costumo fazer 1 e 2 numa base diária, estou praticamente alheado daquilo, e daqueles, que se passa à minha volta. Por vezes, como aqui narrei, isso leva-me a perder algumas coisas interessantes. Mas é difícil manter-me alheado quando me acontece o que aconteceu esta manhã: a tipa de trajos bloquistas que se sentou ao meu lado queria, à força toda, saber o que eu estava a ouvir e a ler, então vá de se encostar ao máximo. Inclusivamente, ela queria ver as notas que eu habitualmente coloco, através de lápis magnificamente sacados no IKEA, nas margens dos livros quando deparo com uma ou outra passagem mais apelativa. Em suma, a tipa queria entrar pela minha vida pessoal adentro, e essa conduta eu não posso admitir.

Reagi da maneira que me pareceu mais adequada: fingi um ataque de tosse e pespeguei-lhe uma cotovelada ali no sítio em que as pessoas costumam ter a chamada "dor de burro". A tipa até guinchou e, pelo canto do olho, vi que quase caiu do lugar. Como se não fosse nada comigo, continuei a ler, e pelos vistos a medida funcionou, porque a bloquista não mais voltou a colar-se-me; de quando em quando, esticava o pescoço na minha direcção, mas um leve dobrar do meu braço direito, espetando o cotovelo na sua direcção, rapidamente a dissuadia de mais movimentos.

Funcionou, mas agora que já não estou no comboio, e uma vez que duvido voltar a ver aquela tipa na vida, penso se não teria sido melhor ter ido por outra via, menos dramática mas igualmente violenta. Realmente, talvez tivesse sido preferível, em lugar de lhe enfiar com o cotovelo no lombo, tirar os auriculares dos meus ouvidos e enfiá-los nos dela, e depois mostrar-lhe, bem perto dos olhos, as notas que venho colocando nas margens das páginas da Manhã Submersa. Tenho quase a certeza que a dor e o choque que ela sentiria ao levar com decibéis de death metal pelos tímpanos e ao ler coisas como "estes padrecos hipócritas de merda deviam era ser todos enrabados, sem vaselina, por rinocerontes avantajados" superariam em muito uma simples cotoveladazinha.

Se voltar a ter alguém a querer cuscar o que oiço e o que leio, juro que é isto que faço...

1 comentário:

Angelik disse...

Também me enerva quando estou a ler e noto que descaradamente cuscam o que estou a ler.
É que dá mesmo vontade de enfiar o que estamos a ler pelos olhos dentro do cusco ou cusca.
:)