Ontem, ao princípio da tarde, armámo-nos em ricalhaços e fomos até a FNAC para... hã, hmmm... tomar um café, e foi só a gaja, que eu não tomei nada. Encontrámo-nos com dois casais amigos e, com a desenvoltura que as crianças de hoje em dia têm, a filhota de 4 anos de um desses casais sentou-se ao meu colo, colocou um livro infantil em cima da mesa, abriu-o ao calhas e, apontando para uma das páginas, disse apenas: "lê!" Eu, que não gosto de contrariar crianças, fiz-lhe a vontade. Comecei a ler a história: narrava umas banalidades quaisquer sobre uma princesa. Acabei a história, pouco convencido. A criança, contudo, sem eu saber porquê, pareceu gostar muito. Pediu-me para contar outra. Mudei de página e li-lhe outra história: mais um conto de princesas. O padrão começava a desagradar-me muito. Mas não, para meu espanto, à criança que, embevecida, ouvia. Nova história, pediu ela. Nova história, contei eu. Para variar: isso mesmo, mais uma tretazinha sobre princesas.
Chegado aqui, tive de parar. Aconcheguei a petiza no meu colinho, olhei-a nos olhos e tentei chamá-la à realidade. "Tu estás a ver como as princesas são umas chatas, não estás?". Ela não pareceu estar a perceber. Voltei à carga: "As princesas são todas umas inúteis e umas fúteis. Ficam sempre nos seus aposentos a experimentar vestidos, colares, pulseiras, tiaras com diamantes, a sonhar com príncipes encantados, e não fazem nada de produtivo na vida. Achas isto bem?!". A criança piscou os olhinhos, como se estivesse a tentar absorver os meus ensinamentos. Acrescentei: "E mais, e mais: as princesas são más, porque vivem à custa de um sistema político-social despótico e tirânico, onde o homem é explorado pelo homem. Quem é que achas que veste as princesinhas, hã?! Elas têm montes de aias e criadas, todas mal pagas, incapazes de prosseguir uma vida digna só para satisfazer os caprichos de umas pirralhas ocas da cabeça! Isto são as histórias de princesas!"
Se eu estivesse na Rússia de 1917, este meu discurso seria aplaudido de pé e edificar-me-iam uma estátua. Mas como estamos no Portugal de 2011, a reacção que eu tive foi um poucochinho diferente. A criança ouviu e ouviu as minhas palavras mas desinteressou-se delas, pois a única réplica que tive foi: "Ah, não é nada disso, as princesas são lindas". Depois, ainda ouvi um "és mesmo parvo", mas isto já não foi dito pela criança e sim pela minha gaja... Descobri, então, que não é possível inverter séculos e séculos de propaganda aristocrática. Mesmo que nós deslindemos a verdade por detrás das histórias de princesas, é como se fôssemos o prisioneiro que se libertou da caverna platónica: os outros prisioneiros não vão acreditar em nós! Eu gastei o meu latim a explicar a malícia que se esconde no meio dos contos infantis e como resultado fui ridicularizado e obrigado a ler mais histórias daquelas.
Isto tudo merece uma reflexão atenta por parte da sociedade. Que mensagem queremos passar para as nossas crianças?! Que valores lhes queremos transmitir? Não estão os contos de fadas a inquinar, desde o início, as personalidades das gerações futuras?! Uma menina que hoje se derrete com histórias de princesinhas não será, daqui a uns anos, uma senhora que vestirá só roupa de marca e votará no CDS/PP?! É este o futuro que queremos? Temos de estar atentos a estas coisas. Os senhores que mandam têm de começar a abrir os olhos, porque para mim é um sinal muito preocupante ninguém dizer nada acerca do conteúdo das histórias infantis, mas ao mesmo tempo vir, muito indignado, o provedor do telespectador da RTP reclamar da difusão das imagens do Khadafi morto porque, segundo ele, são imagens de extrema violência, capazes de fazer passar a mensagem errada a pessoas susceptíveis e a crianças, quando na verdade a detenção e o assassínio do Khadafi passam é a mensagem certa, é como se nos estivessem a dizer, "olha, estás a ver, é isto que acontece aos governantes despóticos: um dia, são apanhados e limpam-lhes o sarampo, o poder para o povo, viva a revolução, etc." Era com este tipo de histórias que os livros infantis deveriam vir, não é cá com tretas reaccionárias acerca de princesinhas e príncipes, e reis e rainhas que exploram o proletariado que, nestas histórias, está sempre contente, é como se nos dissessem, vocês têm mais é de levar e calar, porque quem manda nisto somos nós e a fada dos dentes está do nosso lado!
Até quando vamos aguentar isto, pá?!
Chegado aqui, tive de parar. Aconcheguei a petiza no meu colinho, olhei-a nos olhos e tentei chamá-la à realidade. "Tu estás a ver como as princesas são umas chatas, não estás?". Ela não pareceu estar a perceber. Voltei à carga: "As princesas são todas umas inúteis e umas fúteis. Ficam sempre nos seus aposentos a experimentar vestidos, colares, pulseiras, tiaras com diamantes, a sonhar com príncipes encantados, e não fazem nada de produtivo na vida. Achas isto bem?!". A criança piscou os olhinhos, como se estivesse a tentar absorver os meus ensinamentos. Acrescentei: "E mais, e mais: as princesas são más, porque vivem à custa de um sistema político-social despótico e tirânico, onde o homem é explorado pelo homem. Quem é que achas que veste as princesinhas, hã?! Elas têm montes de aias e criadas, todas mal pagas, incapazes de prosseguir uma vida digna só para satisfazer os caprichos de umas pirralhas ocas da cabeça! Isto são as histórias de princesas!"
Se eu estivesse na Rússia de 1917, este meu discurso seria aplaudido de pé e edificar-me-iam uma estátua. Mas como estamos no Portugal de 2011, a reacção que eu tive foi um poucochinho diferente. A criança ouviu e ouviu as minhas palavras mas desinteressou-se delas, pois a única réplica que tive foi: "Ah, não é nada disso, as princesas são lindas". Depois, ainda ouvi um "és mesmo parvo", mas isto já não foi dito pela criança e sim pela minha gaja... Descobri, então, que não é possível inverter séculos e séculos de propaganda aristocrática. Mesmo que nós deslindemos a verdade por detrás das histórias de princesas, é como se fôssemos o prisioneiro que se libertou da caverna platónica: os outros prisioneiros não vão acreditar em nós! Eu gastei o meu latim a explicar a malícia que se esconde no meio dos contos infantis e como resultado fui ridicularizado e obrigado a ler mais histórias daquelas.
Isto tudo merece uma reflexão atenta por parte da sociedade. Que mensagem queremos passar para as nossas crianças?! Que valores lhes queremos transmitir? Não estão os contos de fadas a inquinar, desde o início, as personalidades das gerações futuras?! Uma menina que hoje se derrete com histórias de princesinhas não será, daqui a uns anos, uma senhora que vestirá só roupa de marca e votará no CDS/PP?! É este o futuro que queremos? Temos de estar atentos a estas coisas. Os senhores que mandam têm de começar a abrir os olhos, porque para mim é um sinal muito preocupante ninguém dizer nada acerca do conteúdo das histórias infantis, mas ao mesmo tempo vir, muito indignado, o provedor do telespectador da RTP reclamar da difusão das imagens do Khadafi morto porque, segundo ele, são imagens de extrema violência, capazes de fazer passar a mensagem errada a pessoas susceptíveis e a crianças, quando na verdade a detenção e o assassínio do Khadafi passam é a mensagem certa, é como se nos estivessem a dizer, "olha, estás a ver, é isto que acontece aos governantes despóticos: um dia, são apanhados e limpam-lhes o sarampo, o poder para o povo, viva a revolução, etc." Era com este tipo de histórias que os livros infantis deveriam vir, não é cá com tretas reaccionárias acerca de princesinhas e príncipes, e reis e rainhas que exploram o proletariado que, nestas histórias, está sempre contente, é como se nos dissessem, vocês têm mais é de levar e calar, porque quem manda nisto somos nós e a fada dos dentes está do nosso lado!
Até quando vamos aguentar isto, pá?!
1 comentário:
Bem, na minha escola primaria a malta tinha que ler os Esteiros do Soeiro Pereira Gomes. Acho que ficamos todos um bocado deprimidos com aquela historia. De modos que, entre princesas e homens que nunca foram meninos (acho que era uma fatelice assim), venha o diabo e escolha.
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