É uma ideia repetida até à exaustão por literatos, bibliófilos, escritores, intelectuais elitistas e intelectuais não tão elitistas: ler faz de nós melhores pessoas. Ora, eu não quero chamar esta gente de parva e idiota, mas vou dizer que esta gente é idiota e parva. A associação entre "ler" e "ficarmos melhores pessoas" é tão estúpida e absurda quanto "ver montes de filmes" e "acabar uma maratona". Ou "ouvir música clássica" e "governar bem um país". Peço imensa desculpa, mas ler não faz de nós melhores pessoas. Nem piores. Um tipo que leia sonetos da Florbela Espanca não fica mais sensível por isso, tal como não fica com vontade de se apaixonar pelo próprio irmão. Alguém que leia a obra completa do Marquês de Sade não fica de imediato possuído pela ideia de entrar em orgias, sodomizar adolescentes, queimar os órgãos genitais com um ferro em brasa ou mandar abaixo filha, mãe e avó ao mesmo tempo. Tanto quanto eu sei, o Dominique Strauss-Khan nunca leu nada do Divino Marquês, e é o que se vê; na situação inversa estou eu, um apreciador da literatura sadista? sadia? sadiana? enfim, coiso, do gajo, e não ando aí a violar empregadas em hotéis.
Tenho a sensação que os defensores da tese "ler faz de nós melhores pessoas" estão, no fundo, a encurtar um argumento como o seguinte:
Premissa 1: toda a actividade que nos ocupe o tempo e nos desvie de actividades criminosas faz de nós melhores pessoas.
Premissa 2: ler é uma actividade que nos ocupa o tempo e nos desvia de actividades criminosas.
Conclusão: logo, ler faz de nós melhores pessoas.
Mas isto, há que pô-lo nos termos correctos, é uma estupidez, porque é uma afirmação quase tautológica e, como tal, irrelevante. Se qualquer actividade é boa desde que nos impeça de entrar em actividades, digamos, mais ilegais, então ler não se distingue de outras como, por exemplo, jogar à bola, correr nu pelo quarto atrás de um carrinho de corda, ver pornografia na internet, etc. E nunca, mas nunca, li nada do Alberto Manguel, que tanto defende o valor moral da literatura, a insurgir-se em defesa da pornografia como instrumento de progresso individual e social (e com muita pena minha, devo acrescentar). Nem nunca vi o Harold Bloom a dizer que ocupar o tempo a ver vídeos das fintas do Messi é tão benéfico quanto ler o Hamlet, quando, tecnicamente, quer ver vídeos do Messi quer ler o Hamlet sempre são momentos dignos dos quais podemos desfrutar em lugar de andarmos na droga ou assaltarmos ourivesarias.
Portanto, o pretenciosismo bacoco e forçado de que ler faz de nós melhores pessoas está errado. Pelo menos, eu não fico melhor pessoa depois de ler o que quer que seja. Está bem que, por um princípio lógico, é irremediavelmente impossível melhorar aquilo que já é perfeito, mas mesmo assim: ler não faz de nós melhores. Se ler fizesse de nós pessoas melhores, então deveríamos admitir a tese contrária, a de que não ler faz de nós pessoas piores. E desculpem lá, mas há jogadores de futebol, um símile óbvio de "iletrados", que são excelentes pessoas, estou a lembrar-me por exemplo do plantel do Sporting, o qual à excepção do Oneywu (além de ser americano, consta por aí que leu metade de um livro da colecção d'Os Cinco quando era adolescente, inquinando desde logo a teoria que aqui se debate) é composto por pessoas de idoneidade inatacável. E todos nós conhecemos um avô ou uma avó que, apesar de analfabetos, eram de boa índole. Quero ver se conseguem dizer o mesmo de muitos ratos e ratas de biblioteca que por aí andam...
Tenho a sensação que os defensores da tese "ler faz de nós melhores pessoas" estão, no fundo, a encurtar um argumento como o seguinte:
Premissa 1: toda a actividade que nos ocupe o tempo e nos desvie de actividades criminosas faz de nós melhores pessoas.
Premissa 2: ler é uma actividade que nos ocupa o tempo e nos desvia de actividades criminosas.
Conclusão: logo, ler faz de nós melhores pessoas.
Mas isto, há que pô-lo nos termos correctos, é uma estupidez, porque é uma afirmação quase tautológica e, como tal, irrelevante. Se qualquer actividade é boa desde que nos impeça de entrar em actividades, digamos, mais ilegais, então ler não se distingue de outras como, por exemplo, jogar à bola, correr nu pelo quarto atrás de um carrinho de corda, ver pornografia na internet, etc. E nunca, mas nunca, li nada do Alberto Manguel, que tanto defende o valor moral da literatura, a insurgir-se em defesa da pornografia como instrumento de progresso individual e social (e com muita pena minha, devo acrescentar). Nem nunca vi o Harold Bloom a dizer que ocupar o tempo a ver vídeos das fintas do Messi é tão benéfico quanto ler o Hamlet, quando, tecnicamente, quer ver vídeos do Messi quer ler o Hamlet sempre são momentos dignos dos quais podemos desfrutar em lugar de andarmos na droga ou assaltarmos ourivesarias.
Portanto, o pretenciosismo bacoco e forçado de que ler faz de nós melhores pessoas está errado. Pelo menos, eu não fico melhor pessoa depois de ler o que quer que seja. Está bem que, por um princípio lógico, é irremediavelmente impossível melhorar aquilo que já é perfeito, mas mesmo assim: ler não faz de nós melhores. Se ler fizesse de nós pessoas melhores, então deveríamos admitir a tese contrária, a de que não ler faz de nós pessoas piores. E desculpem lá, mas há jogadores de futebol, um símile óbvio de "iletrados", que são excelentes pessoas, estou a lembrar-me por exemplo do plantel do Sporting, o qual à excepção do Oneywu (além de ser americano, consta por aí que leu metade de um livro da colecção d'Os Cinco quando era adolescente, inquinando desde logo a teoria que aqui se debate) é composto por pessoas de idoneidade inatacável. E todos nós conhecemos um avô ou uma avó que, apesar de analfabetos, eram de boa índole. Quero ver se conseguem dizer o mesmo de muitos ratos e ratas de biblioteca que por aí andam...
5 comentários:
acho que tens um erro no argumento. se ler implica ser melhor, segue-se por contraposicao que a negacao de ser melhor implica a negacao de ler. nao se segue que nao ler implica a negacao de ser melhor.
Se vires bem, eu fiz as duas coisas. Usei tanto ~Q -> ~P quanto a falaciosa ~P -> ~Q, que me interessava fazer para jogar com a questão dos futebolistas. E também fiz um P -> ~Q junto com o P -> Q. Em resumo, eu só quis dizer ~(P -> Q) & ~(P -> ~Q), em que
P = ler
Q = fazer de nós melhores pessoas.
Fosga-se, acabei de ler isto e acho que não me sinto melhor pessoa, despertaste os meus instintos mais crueis...
WTF, gaja?!? :)
"Está bem que, por um princípio lógico, é irremediavelmente impossível melhorar aquilo que já é perfeito" Tás feito um Santo Anselmo da Margem Sul ó Peter
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