quarta-feira, maio 13, 2009

Se o generation gap é isto, o melhor é acabar já a minha carreira de jogador de PES!

Quando cheguei a casa ontem, feliz da vida por não ter tido aulas, e já preparado para me afogar no sofá em frente ao televisor, não esperava levar com uma requisição executada pela minha gaja e que ordenava: "Tens de ir comigo ao jantar de aniversário do meu afilhado. Despe essas andrajosas roupas e vai vestir algo como deve ser". Meio a contragosto, fi-lo, e lá fomos para as comemorações.

O jantar correu bem, comi à vontade, bebi mais à vontade ainda, disse mal do Benfica, elogiei o Sporting (para raiva da minha gaja, benfiquista fanática), fui apoiado pelos restantes comensais (excepto a minha gaja), também eles lagartos, até que o petiz aniversariado, do alto dos seus recém-cumpridos 11 anos, se virou para mim a perguntar: "Sabes jogar PES?" (Nota explicativa: PES é o acrónimo para Pro Evolution Soccer, joguinho simpático que é o vício de milhares de adolescentes agarrados à Playstation). Respondi "Sim, claro, com quem pensas que estás a falar? Aqui há uns anos, ninguém me batia". "Ah", continuou o feliz mocinho, "é que eu tenho uma Playstation. Queres jogar comigo?". Eu: "Claro, pá! Qual é o PES que tens, é o 3?!"

Pimba! Com esta pergunta, cometi o meu primeiro erro da noite. Mal eu terminei de arrastar aquele "Três", senti todos os olhares voltarem-se para mim. Fez-se silêncio, um silêncio constrangedor. O miúdo, após um leve abanar de cabeça, esclareceu-me: "PES 3? Qual 3? O que eu tenho ali é o 10?", mas com um ar de escárnio como quem diz "Ouve lá, ó meu atrasado, de que planeta vieste? O PES 3 é do milénio passado, deves ser muita bom nisto, deves..." Pela primeira vez na minha vida, senti o peso do generation gap: fazia lá eu ideia que o Pro Evolution Soccer tinha evoluído tanto! A última vez que havia jogado, tinha sido no Playcenter do Colombo, na altura acho que era a versão 2. E já estava na 10ª? Como poderia eu saber?!?!

A minha ignorância só deu mais alento ao rapaz. Convidou-me novamente: "Então, vamos jogar ou quê?", ao que repliquei: "Sim, vamos, mas cuidado, olha que eu era um excelente jogador". Esta minha exibição de jactância destinava-se, por um lado, a pôr de parte o pé que eu havia posto na argola com a história do PES 3 e, por outro lado, a intimidar o meu jovem anfitrião (porque nisto de jogos de futebol, mesmo virtuais, a psicologia conta muito).

Ele, contudo, não se mostrou nada intimidado pela minha bazófia. Ligou o aparelhito, carregou o joguito e deu-me oportunidade de escolher a minha equipa. Eu, claro, "Argentina". Ele, "Espanha". Tudo parecia estar a meu favor. Ele jogava com a equipa dos peropomperos, que conta com os virtuais Iniesta, Xavi, Fernando Torres, e eu jogava com a selecção do Messi. Vantagem minha, portanto. Depois procedemos à escolha das tácticas e mais uma vez exibi a minha arrogância: qual 4X4X2 em losango, qual quê, ia jogar em 4X3X3 e dar uma tareia de bola a este puto que ele nunca mais iria querer jogar com alguém com idade para ser vizinho do lado!

Chegou finalmente o momento de a bola rolar. Saí eu, e as coisas começaram muito bem: passes curtos e certos entre os meus vários jogadores, progressão sustentada no terreno, controlo do espaço e do tempo... até que me aproximo da grande área do meu adversário e a bola é-me retirada. Em menos de 5 segundos, o sacana do puto faz uma jogada tal que eu fico de olhos trocados e toma!, já levei o primeiro golo! "Toma lá que já almoçaste", disse para mim mesmo, enquanto o miúdo festejava o primeiro tento na companhia dos irmãos, que tinham vindo ver o jogo, como se de uma final da Liga dos Campeões se tratasse.

Embora abalado, não desisti e preparei-me para a recuperação. Bola ao centro e começa tudo de novo: excelentes jogadas da minha parte, com passes curtos e bolas pelas linhas, até chegar à grande área da Espanha virtual e ficar novamente sem bola. Mais uma vez, o contra-ataque é mortífero: bola para um espanhol, bola para outro, o meu guarda-redes sai-se, é fintado, pimba lá para dentro, já estou a apanhar 2-0!

Com esta história toda, resolvo mudar de táctica: pró caraças com os passes curtos e bonitos, pró caraças com as fintinhas, o melhor é apostar no futebol rectilíneo e objectivo, assim uma mistura entre Inglaterra e Alemanha. Debalde: os jogadores espanhóis ocupam todos os espaços que eu procuro aproveitar, ganham o esférico, em 2-3 passes chegam à minha área, olha lá vem um remate, eu grito "defende redes, defende essa gaita" enquanto carrego vigorosamente nos controles da Playstation, mas o boneco não me ouve e pimba, toma lá o 3º, esta porcaria parece o SportingXBayern ou o BayernXSporting, olha que caraças!!!

Bom, a verdade é que, desaire atrás de desaire, acabo o jogo a perder por 6-0! 6-0, caramba! Com um puto de 11 anos!!! Ele e os irmãos estão a rir-se à gargalhada, e eu não tenho onde esconder a minha vergonha! Resolvo então (o meu segundo erro da noite...) fugir para a frente: "vamos a outro?", pergunto eu, apostado em redimir-me daquela humilhação e convencido de que aquele resultado foi uma mera escorregadela de quem já há muito que não jogava PES. "Claro", devolve-me, automaticamente, o rapazito. "Agora é que vais ver as minhas qualidades", arroguei eu, e volto a escolher a selecção das pampas.

A história deste segundo jogo não tem, no fundo, história. Se eu perdi o primeiro por 6-0, e quis jogar o segundo para fazer melhor figura e vingar-me do gozo que o rapaz e seus irmãos me lançavam, posso dizer que saiu-me o tiro pela culatra: perdi 7-0! Sim, 7-0! Exacto, uns inacreditáveis SETE a ZERO! Se o quarto do rapaz tivesse bancadas e nelas estivessem adeptos meus, era certinho como o destino que naquele momento estaria a ver não lenços, mas autênticas mantas alvas como a neve. Foi nesta altura que eu soube o que é ser o Quique Flores...

Desisti de vez e vim-me embora, vergado pela derrota e pela humilhação aos comandos de um cachopo de 11 anos. Consciencializei-me de que estava ultrapassado e que as minhas anteriormente excelsas capacidades no PES não eram nada comparadas ao talento das novas gerações. Compreendi que estou velho e não adianta procurar contornar o facto: a minha época já passou, é altura de dar lugar aos mais novos.

Levantei a cabeça e fui para junto da minha gaja, no objectivo de passar o resto da noite a ser acarinhado. O meu terceiro erro da noite... Isto porque ela perguntou logo: "então, como correu o jogo? Divertiste-te?". "Não", respondo eu. "Ah, não me vais dizer que perdeste...", atirou logo ela. E eu: "Sim, perdi". "Por quantos?", quis saber a inquisidora. "Bem, perdi um por 6-0..." (ao que ela retrucou com um agudo "AHAHAHAHAHAHAHAH"), "e outro por 7-0", ao que ela respondeu com um ataque de riso que mais parecia um ataque cardíaco. Via-me, assim, mais uma vez humilhado, e desta feita pela pessoa que me é mais próxima.

Tomei então uma decisão radical, após mandar abaixo 5 shots de tequilha José Cuervo: abandonar em definitivo a minha carreira de jogador de Pro Evolution Soccer. Nunca mais toco num comando da Playstation. Nunca! Chega de vergonhas! Chega de humilhações! Chega de vexames! Basta, pronto! A partir de agora, só jogo futebol virtual no meu velhinho ZX Spectrum 128K+2. Quero ver se algum puto de 11 anos me bate no Emlyn Hughes International Soccer...

11 comentários:

Ilda disse...

Ahahahahahahah, ainda não consegui parar de rir! Mas não devias ficar assim, afinal és do Sporting e por isso estás mais que habituado a derrotas humilhantes!!!

Peter of Pan disse...

A equipa habituada a derrotas humilhantes ficou na frente do suposto "Glorioso"...

Maestro disse...

FRACO

Aí a amiga ILDA é que tem razão, tu és do sporting portanto ja tas habituado a derrotas humilhantes.


ehehehehehheheheheheheheh

Peter of Pan disse...

Ó Maestro, já falaste com o Quique hoje?! Ele é que te pode dar uma lição sobre o significado de "derrotas humilhantes"...

Pulha Garcia disse...

Caro Peter of Pan,

identifiquei-me bastante com este post. Com algumas diferenças:

1. Eu (que tenho 31 anos) tb gosto muito de jogar PES e tenho jogado bastante nestes últimos anos (apesar de pouco no último ano). Sei contudo que os putos investem muitas horas no PES. Há que respeitar o seu jogo. Por isso, aqui e ali um pequeno "pau" nos seus jogadores mais tecnicistas só faz bem. Ajuda a crescer e pausa o jogo.

2. Contra adversários que não sabemos como é que jogam o importante é apostar em equipas que defendam muito bem e que tenham bom meio-campo. Se tiverem vários jogadores de ataque que desequilibrem, melhor mas sobretudo defender bem. Sugiro o Chelsea, o Inter e o Manchester.

3. Esquece a táctica. O importante é passes curtos e passes em profundidade na defesa adversária.

Espero ter ajudado.

Rafeiro Perfumado disse...

O teu relato está excelente, mas eu confesso que durante toda a leitura uma dúvida martelou-me a cabeça: tu tens um sofá de água? É que para te afogares nele...

Inês Brito disse...

O meu irmão, que tem precisamente 11 anos, passa a vida a jogar isso. Eu jogo, mas não apanho uma da coisa. É mais para ver a quantidade de asneirada que consigo fazer durante um jogo, sendo que o meu objectivo é fazer sempre mais e pior a cada jogo, a ver se evoluo.

Bj,
(i)

Catwoman disse...

Adorei o relato hihihi

Beijinhos :)

Peter of Pan disse...

@Pulha: grato pelos conselhos, mas como referi, abandonei de vez a minha carreira de jogador de PES.

@Rafa: não, mas gostava de ter, nem que fosse só para compensar essa tua piada seca... :)

@Inês Brito: "Evoluir para pior" é uma expressão cunhada pela Manuela Ferreira Leite. Cuidado com os direitos de autor.

@Catwoman: pois eu não. Derrotas daquelas custam...

Maestro disse...

Acho que o treinador do bayern me pode ensinar melhor...

Anónimo disse...

Eu tenho o PES 8 (e o PES só foi até ao 9, ainda) e só jogo aos fins de semana e ás vezes de 15 em 15 dias que a PS2 está em casa dos meus avós. Mas.... 6-0?! Por amor de Deus.........

E já agora o o que é ou quem é a Emily Hughes...isso não era uma personagem do Dickens?