terça-feira, março 25, 2008

(Mais um) Conto Estúpido

Descia eu pela rua, em direcção ao quiosque, quando uma simpática jovem, sorrindo, me abordou.
- Caro senhor, gostaria de colaborar num inquérito?
Três coisas desde logo me chamaram a atenção na mocita: antes de mais, o carácter decidido e ousado. Dirigira-se a mim, escolhera-me entre tantas outras pessoas, e fizera-o de forma determinada. Pensei logo para mim: “Ainda sou capaz de agradar a uma jovem, ahahah! Com um pouco de sorte, quem sabe se não consigo levar daqui qualquer coisita?!”. O segundo aspecto que me prendeu foram os seus dentes tortos. Quando abriu a boca e falou comigo, apercebi-me de que a dentição da rapariga assemelhava-se, mais do que seria desejável, ao rescaldo do tsunami que devastou o sudoeste asiático nos finais de 2004. Por fim, e foi neste elemento que peguei para iniciar a minha descoberta da jovem, o tratamento a que eu havia sido votado: “Caro senhor”. Solicitei-a, então.
- Oh, por favor, não me trates por “senhor”. Não sou nenhum idoso, tenho idade para, sei lá, ser teu amigo mais velho, ou teu professor de ginástica, ou outra coisa qualquer.
Ela sorriu, revelando-me novamente aquele flagelo dentário, capaz de provocar uma síncope a qualquer odontologista, inclusivamente de nacionalidade chinesa.
- Ih, ih, tratei-o assim por força do hábito, realmente você não parece ser nada velho – respondeu-me ela.
- Trata-me por tu, a sério – soltei.
- Está bem, tu – disse, a rir, os dentes baralhando-se na cavidade bucal – E então, posso fazer o inquérito? – rematou. A espirituosidade da moça dava-me confiança para começar a atacar. Quando o fiz, foi sem dó nem piedade!
- Ah! Ah! Diz-me só uma coisa, antes de começares: quando te pagarem por este trabalho, pensas marcar uma consulta no dentista para arranjar esses dentes? Ahahaha!
Este momento era crucial. Dependendo da réplica dela, saberia se tinha hipóteses de a depositar na minha cama ou, pelo contrário, se acabaria corrido à dentada pela rua acima, sem realizar o inquérito. Qualquer das alternativas não me desagradava.
- Ó tu, achas que devo? – lançou ela – Eu acho mais urgente ajudar-te a livrar dessa cara de parvo, operação para a qual filantropicamente contribuirei com o pecúlio ajuntado graças a este meu ofício! – concluiu.
Fantástico! A coisa saíra melhor do que eu próprio pensara. A resposta da moça revelava cumplicidade marota, associada a boa disposição, a uma certa classe (denunciada pela linguagem utilizada) e, também, a um certo sentido de domínio sobre mim. Ela estava não só a dar-me luta como ainda se me superiorizava na troca de palavras. Pensei: “esta tipa sabe-la toda. Decerto mostrar-me-á uns truques novos.”
- Queres ir até minha casa e “inquires-me” lá? – atirei, com uma expressão de sacanice.
- Achas que os meus dentes são dignos de transpor a tua porta? – retorquiu. Continuava a desempenhar o papel de leoa, o que só me excitava mais.
- Desde que permaneçam na tua boca, pode ser.
- Hmmm, vê lá se não és tu que vais ficar sem os teus…
- Então, vamos?
- Está bem, ó tu. Pode ser. Vamos lá ver se és tão corajoso e arrojado noutras coisas como és a mandar piadas!
Lá fomos. Conduzi a mocita até à minha casa, e depois ao meu quarto. Despi-a toda, despi-me todo, vesti o meu cão, depois despi-o (não sei por que motivo fiz isto!), enfiámo-nos na cama, retirei de lá o cão, enfiei-me na jovem e o passámos por uma óptima sessão de sexo selvagem, em que ambos lutámos pela posição de domínio e ela ganhou, o que tornou tudo bem mais interessante e excitante, confesso.
Quando nos despedíamos, uma vez que ela tinha de regressar aos seus inquéritos, e não realizara sequer o meu, deu-se a surpresa.
- Olha, tu, para que saibas…
E retirou os dentes da boca. Afinal, aquele desastre era uma dentadura postiça.
- São falsos! – riu-se.
Soltei um gemido, que era de surpresa, de indignação, e de dor também, porque o meu cão acabava de me morder o rabo. Mas depressa me recompus, e perguntei-lhe:
- Mas porquê? Qual o propósito disso? Agora que vejo, tens uma dentição perfeita. Poderias fazer publicidade à Colgate, à Sensodyne ou a qualquer outro dentífrico. Para quê essa dentadura?
- Porque – respondeu ela – é uma maneira de chamar a atenção. Ninguém me ligaria nenhuma se não fossem estes dentes tortos – dizendo isto, levantou a dentadura na minha direcção -, nem sabes o número de homens que já tive desde que engendrei este esquema. Devo as minhas sessões de sexo a estes dentes, tal como tu deves as tuas a essa fascinante cara de parvo!
E riu-se de novo. E ri-me com ela. E o meu cão riu-se também. Peguei-a nos meus braços e beijei-a violentamente, algo que não havia feito antes com receio de prejudicar o meu esmalte. E levei-a uma vez mais para a cama, despi-a, despi-me, desta feita não vesti nem despi o meu cão, pois ele fê-lo sozinho, e possuí-a pela segunda vez. E foi melhor do que a primeira. Disse-lhe:
- Olha, não precisas dos dentes para arranjar companhia. És fantástica.
- Não sei. Os homens intimidam-se comigo, acham-me demasiado perfeita e superior a eles. Os dentes tortos servem como artificio, servem para mostrar que também possuo defeitos. Com isso, eles ficam mais à vontade, sabes? Preciso dos dentes, sim. E há outra coisa que te digo, tu precisas também dessa cara de parvo, garanto-te!
Após estas palavras, foi-se embora, e fiquei deitado enquanto pensava nos argumentos que acabara de me expor. Depois peguei num espelho e reflecti: “talvez ela tenha razão, que caraças”. Coloquei o espelho de lado, assobiei para o meu cão, ele enfiou-se na cama comigo e abraçámo-nos, solidários. A vida tem destas coisas…


Tanis

3 comentários:

Ilda disse...

Que posso eu dizer em relação a este conto? É estupido, sem dúvida!!! Mas fez-me rir...
P.S. Já agora, fazem-te muitos inquéritos?

esquilinho disse...

Adorei o pormenor do cão :D
"…vesti o meu cão, depois despi-o…" LOL!

Peter of Pan disse...

Não, não me fazem muitos inquéritos. Na verdade, não me fazem nenhum! :)

O cão também adorou o pormenor do cão!