Poucos objectos ilustram tanto as falácias da linguagem como o guarda-chuva. O guarda-chuva ou, na sua alocução mais popular, "chapéu-de-chuva", não designa exactamente aquilo que é designado, passe a redundância, na sua designação. O guarda-chuva não serve, de facto, para guardar, antes para repelir, a chuva. Já o chapéu-de-chuva também não é feito de chuva. De onde vem então este sentido enganador das palavras?!
Magritte que, no quadro abaixo (reproduzido aqui sem autorização, porque não encontrei o número de telemóvel do gajo), ironizou sobre esta questão, parece indicar-nos como seria o verdadeiro guarda-chuva: um chapéu que, efectivamente, contivesse em si, enquanto objecto, a chuva.
Porém, como todos reconhecemos, não é este o papel do guarda-chuva. A escola anglo-saxónica reflectiu profusamente sobre esta contradição do signo e da referência, agudizada ainda mais pelo facto de, nos países de língua inglesa, guarda-chuva não ser "guarda-chuva" e sim "umbrella". Trevor Spigetz, no seu majestoso Beyonce's Behind and other Alliterations (2006), chamou a atenção para "umbrella" ter como raiz "umbra", a palavra em latim para sombra. Umbrella seria, então, um objecto destinado a provocar a sombra, mas isso só faria sentido se fosse um guarda-sol, e não um guarda-chuva! Discípulo como é de Chomsky, Spigetz procurou argumentar que esta contradição derivava de os Estados Unidos serem uma potência imperialista, situação que, aliás, motivou a sua discórdia com o mestre, pois as teses a) Os Estados Unidos são uma potência imperialista (defendida por Spigetz) e b) Os Estados Unidos são uma potência muito imperialista (proclamada por Chomsky) entram, naturalmente, em conflito.
Eric Cartman, na revista do Círculo Filosófico Pós-Fregeano de New Haven, One Dot and Another Dot, That Makes Two Dots, procurou resolver a questão com um lapidar, e cito, "screw you guys, I'm going home" (CARTMAN: 2008, 17), inserindo-se na tradição wittgensteiniana do Tractatus de que aquilo sobre o qual não podemos falar, mais vale a pena ficarmos calados (WITTGENSTEIN: 1922, §7). Em resposta, Homer Simpson, no vol. 15, nº 3 do Bulletin of Springfield Linguistics limitou-se a dizer "duh" (SIMPSON: 2008, 344), para logo depois acrescentar, em jeito de escárnio, "Duff beer" (SIMPSON: 2008, 345), o que de resto motivou os protestos de Naomi Klein, por estar a ser utilizada uma marca comercial num ensaio de linguística (KLEIN: 2010b, 123-136, cf. também KLEIN: 2010a, 790-1047, e ainda KLEIN: 2010c, 910008880, mas ligue só entre as 17 e as 19 horas).
Regressando à reflexão produzida em terras lusas, José Gil afirmou, recentemente, em conjunto com um fabricante chinês de guarda-chuvas, que o guarda-chuva se chama "guarda-chuva" e não "repele-chuva" porque quem o nomeou tinha medo de existir (GIL e XING-HUANG: 2011, 14), mas esta hipótese carece de confirmação pelo motivo muito simples de que a pessoa que nomeou o guarda-chuva já não existe, não se sabe se por medo. Ainda mais recentemente, num programa televisivo, a investigadora Cátia propôs, com coragem, que um guarda-chuva seria realmente um guarda-chuva se fosse pendurado de pernas para o ar num alpendre (CÁTIA: 2011); contudo, por mais arrojada que seja esta teoria, não leva em conta o facto de ninguém querer utilizar um guarda-chuva de pernas para o ar, além de não se perceber o recurso ad hoc ao alpendre.
Continuamos, portanto, sem resposta satisfatória para o problema de haver um objecto que faz exactamente o contrário daquilo que diz que é. Espera-se que o III Seminário Sobre Cenas Esquisitas e Coisas Afins, a decorrer na Universidade de Leiden durante os dias 23 e 24 de Fevereiro de 2012, possa trazer alguma luz a esta questão. Até lá, aguardemos.
FIM
P.S.: este post foi inteiramente composto sem recurso a estupefacientes.
2 comentários:
man, deste-me vontade de estudar filosofia da linguagem outra vez.
Por esse facto, apresento as minhas sinceras desculpas.
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