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Por vezes, andar de transportes públicos revela-se uma autêntica aventura passada num enigmático e surreal outro-mundo. Já apanhei situações bem maradas, mas duvido que assista a uma igual à que assisti ontem. O que vou narrar é absolutamente verídico, passou-se mesmo, o que só prova que a realidade é mais esquisita do que um filme do David Lynch. É caso para dizer que este planeta está todo lynchado…
Vejam só: vinha eu todo contente e pronto para sair da estação de metro quando, do outro lado das portas de acesso, surge um tipo com os seus 30 e poucos anos, a cantar alto e bom som: “caralhão, caralhão, caralhão”. Mas o melhor ainda foi esta particular subtileza: é que ele não cantava sempre no mesmo tom! Não, ele cantava alternado: um “caralhão” agudo, quase em tenor, um “caralhão” grave, quase em baixo, outro “caralhão” agudo, e assim sucessivamente, dando à coisa (e “coisa” deve ler-se literalmente…) um cromatismo interessante, pois ficava mais ou menos “CARALHÃO, caralhão, CARALHÃO, caralhão”… ad infinitum.
Acreditem, estou mesmo a falar a sério! O rapaz em questão deu um autêntico recital, tanto que várias idosas não se contiveram e soltaram vários “Oh!” de admiração. Não vi foi ninguém a bater palmas face a tão original performance, lamentavelmente. Até porque o tipo bem as merecia; afinal, não se observava tanta facilidade na passagem de registos altos para baixos e vice-versa desde o Freddie Mercury, curiosamente outro mocito que andava sempre com o caralhão na boca. Eu, confesso, não tive tempo de aplaudir nem oportunidade de soltar um legítimo e justificado “Bravo!” que fosse porque, de forma incompreensível, toda aquela encenação me provocou um absurdo ataque agudo de riso. Posso mesmo dizer que, graças a isto, ri como o caralho!
Não sei se este Plácido Domingo da ópera-porno abandonou a sua cantoria ao entrar no metro. Talvez só a acústica da estação lhe permitisse desenvolver as suas capacidades vocais, as quais ficariam decerto limitadas no espaço exíguo e claustrofóbico de uma carruagem. Não sei, porque tomámos, eu e ele, direcções opostas. Mas admito que gostaria um dia de encontrá-lo novamente, e talvez propor-lhe a gravação do seu reportório num cd. Quem sabe se não está aqui o futuro da música erudita. Por minha parte, não me importava de ver a Deutsche Grammophone lançar um álbum com o melhor do intérprete do “CARALHÃO, caralhão”.
Tanis
3 comentários:
Fartei-me de rir a imaginar a cena!!! Ele há com cada um!!:)
Imagina então a minha reacção! Eu assisti aquilo "ao vivo"!!!
:D
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