segunda-feira, abril 14, 2008

Lúcidos comentários acerca de Juno, o filme.

Três ou quatro semanas atrás, fui ver o Juno, pequena película protagonizada por uma das minhas actrizes favoritas, a também pequena Ellen Page, que me fascina desde o intenso Hard Candy. Para quem não viu, azar: perderam um óptimo filme, algo agridoce, que narra a história de uma adolescente que contrai uma gravidez indesejada (“contrai”, aqui, é o termo correcto, pois ela vê a situação quase como se de uma doença se tratasse; uma das muitas piadas do filme prende-se justamente com o recorrente nomear daquilo que cresce dentro dela como “a coisa”). O giro do filme é passar-se num mundo irrealista ou, para ser mais justo e preciso, num outro país que não Portugal. No filme, a jovem Juno continua a sua vida e os seus estudos, é apoiada pelo pai e pela madrasta, não é achincalhada pelo namorado nem pelas amigas, não é criticada quando decide doar o seu rebento a uma mãe infértil, etc., etc., etc.
Por que é que eu digo isto? Porque, em Portugal, as coisas jamais se passariam assim! Quando uma adolescente grávida chega a casa para contar à família que está grávida, o que ocorre é mais ou menos isto:

Juno portuguesa: Sentem-se, tenho uma coisa para vos contar.
Pai: Ó que merda, vem aí problema!
Juno portuguesa: Ahnnn… estou grávida!
Pai: O QUÊ?!?!
Juno portuguesa: É verdade.
Pai: Mas tu queres ver?!... Vais já levar uma valente galheta!
Juno portuguesa: Mas eu não tive culpa, aconteceu!
Pai: “Aconteceu”, “aconteceu”… tu vais já ver o que te acontece!
Juno portuguesa: Eu preciso é de apoio e carinho, não de uma tareia!
Pai: Eu dou-te o apoio e o carinho, ó se dou… mas primeiro espeto-te uma lamparina nessa fuça para aprenderes a ficar com as pernas fechadas!
Juno portuguesa: Mas eu fechei, o Lito é que as abriu.
Pai: Então quem abusou de ti foi o Lito, hã? Ele já vai ver! Ó Maria, vai ali à cave e traz-me a caçadeira e as balas, há um rapaz que vai ficar a saber que não se deve meter com as filhas dos outros. Eu vou capá-lo, eu vou capá-lo!
Juno portuguesa: Ó pai, não! Ele é o pai do meu filho!
Pai: Cala-me essa boca, vou mandar-lhe uns balaços, a ele e à família toda dele, sacanas, envergonharam a minha filha e esta casa mas não vão ficar-se a rir, ai não vão não!!!
Juno portuguesa: Mas eu preciso é de conselhos!...
Pai: Eu já te dou um conselho: vais deixar a escola e arranjar um emprego, que eu não estou aqui para sustentar mães solteiras. E onde está a estúpida da tua madrasta mais a caçadeira? Raios partam, tenho de fazer tudo nesta casa…

Em Portugal, seria assim. Neste país, não há pão para malucos: ter um filho em idade escolar é um estigma inultrapassável, propenso a mudar radicalmente a vida de quem o tem. Uma Juno portuguesa dificilmente teria disposição para fazer piadas; muita sorte teria ela se encontrasse trabalho no supermercado do bairro para comprar leite e fraldas para o filho. Um pai português nunca seria porreiro como o pai da Juno do filme; muita sorte teríamos nós se ele não saísse aí pelas ruas a disparar sobre tudo o que se movesse. E os “amigos” também se comportariam de forma distinta: qual dar apoio, qual quê! A não-sei-quantas está grávida? Problema dela, quem manda armar-se em puta boa? Agora aguente-se à bronca…
Ou seja, uma Juno portuguesa, além de levar com ele e emprenhar, teria também de levar com o resto do mundo em cima. Já a Juno do filme teve foi sorte, portanto. Engravidou e tal, mas ao menos não foi em Portugal, e isso faz toda a diferença entre uma tragédia e uma comédia.


Tanis

1 comentário:

Ilda disse...

Também gostei muito do filme!
E, sim em Portugal esta situação não é propriamente uma comédia, mas tb acredito que noutros paises e na generalidade das vezes tb não o seja, aquilo é mesmo um filme dai permitir-se "parodiar" a situação. Não a credito lá muito que uma adolescente gravida mesmo com o apoio necessário tenha lá mt estomago e vontade para andar a dizer piadinhas e parvoices como fazia a Juno!
Mas valeu pela distracção e boas interpretações dos actores!