Vai uma velhota (a situação também ocorre com velhotes, mas, vá lá saber-se porquê, é com elas que isto mais ocorre...) caminhando penosamente até à paragem de autocarros, exclamando "ais" e "uis" de cada vez que dá um passo. Até aqui, tudo normal: é isto o esperado dos idosos. Porém, por vezes passa-se isto que agora descrevo: faltam 20/30 metros para a velhota chegar até à paragem quando, de repente, vem em alta brida o autocarro desejado.(1) Ora, é precisamente nesta ocasião que acontece algo de muito espantoso... a velhota, atarantada com a possibilidade de perder aquele meio de transporte, larga tudo — incluindo bengala, sacos com legumes, cão, gato, neto... — e desata a correr até à paragem, como se de uma atleta olímpica se tratasse. A avozinha, em tal momento, esqueceu tudo: artrite, reumático, osteoporose, flacidez, incontinência ou qualquer outra maleita! Mas o mais inexplicável nem é isto e sim o pormenor verdadeiramente intrigante que se segue: a cota (caso tenha corrido com vigor, claro está) vê recompensado o seu esforço, apanha o autocarro e — atenção neste "e" — sobe os degraus até junto do motorista, desatando a sorrir quando mostra o passe ou saca do dinheiro para comprar o bilhete. Sim, a sorrir! Já vi centenas de casos como este e é sempre a mesma coisa: a velhota, por entre o seu estertor, lança sorrisos largos de uma felicidade há muito esquecida. Por vezes, os restantes passageiros são contagiados, o que resulta num fartar de gargalhadas pelo transporte público.
É isto que não compreendo. Porquê sorrir? Que gozo terão as velhotas quando fazem esta corrida desenfreada? Onde vão elas buscar as energias? No que pensarão? Aguardo possíveis esclarecimentos...
_______________________
(1) Eu acho que os motoristas fazem de propósito: "Olha, vai ali uma velha... deixa-me cá acelerar isto para ver o que ela faz" parece-me ser um pensamento comum a todos eles. Mas isto são contas de outro rosário, a explorar talvez numa futura tese de pós-doutoramento... ou numa história do Tio Patinhas, o que der mais prestígio.
Eterno Entorno
2 comentários:
possivelmente a visão do transporte público liberta-as, uma espécie de nirvana rodoviário.
Se elas apanham o autocarro depois da uma da tarde, então está tudo explicado. Foram buscar forças ao programa do Goucha!
Enviar um comentário