quinta-feira, outubro 22, 2009

Uma Questão de Linguagem (2)

O empobrecimento de uma língua não se verifica só através dos erros ortográficos que são dados usualmente (ver post anterior). Outra causa da anorexia da língua portuguesa encontra-se nos vocábulos em desuso. É triste observar como o Português, que é tão rico, está a sofrer uma sangria de termos, e isso é triste porque faz-me pensar que os portugueses são uma espécie de doentes de Alzheimer, que em lugar de se esquecerem dos entes queridos, esquecem-se de palavras que utilizaram sobejamente em tempos idos.

Num dos grandes livros de todos os tempos, 1984, George Orwell criticava a novilíngua por esta ser composta por poucas palavras. Muitos dos vocábulos que eram proferidos na velhilíngua foram proibidos, segundo o princípio de que uma linguagem mais pobre origina um pensamento mais pobre, o que constitui uma vantagem óbvia para quem se encontra no poder.

Pois bem, eu não quero que o Português se transforme numa novilíngua. Portanto, urge recuperar aqueles vocábulos que estão em vias de extinção. Esquivo-me aqui a fazer uma lista de todos eles, mas não me furto a considerar três casos. O meu propósito é que os três termos dos quais irei falar voltem a ser usados na linguagem corrente, de onde aliás nunca deveriam ter saído.

Termo 1: Estronço (do italiano stronzo). Não confundir com estrôncio, um tipo de metal. "Estronço" foi um vocábulo muito utilizado nos finais dos anos 80, princípios dos anos 90 do século XX pela população jovem das áreas metropolitanas. E o que é um estronço?! Um estronço é um estúpido, um parvo, um imbecil, um idiota, mas a palavra detém mais requinte (basta dizer que é importada do italiano...). Portanto, quem a profere está, automaticamente, a colocar-se numa posição semanticamente superior: se eu digo ao Vítor "és um estronço", não só estou a dizer que o Vítor é estúpido mas também que eu sou um gajo suficientemente culto que é capaz de utilizar o termo "estronço" em vez de "estúpido". E isso desarma logo o gajo...

Termo 2: Pachacha (do francês pachache). A palavra pachacha, também por vezes grafada paxaxa, está a passar por um período de preconceito. Muito utilizada durante os anos 70 e 80, foi caindo em desuso a partir dos anos 90, perdendo prestígio para o muito mais vulgar "cona". (A esta teoria linguística, eu dou o nome de "ditadura da cona") E é uma pena que uma palavrinha tão deliciosa como pachacha, composta por três sílabas extremamente musicais (pa/cha/cha) se veja ultrapassada por uma porcariazinha de duas sílabas como cona. Isto, mais do que outra coisa, revela, além da decadência da língua portuguesa, a decadência da própria sociedade: é que estamos muito mal se as pessoas não dão uso à pachacha (esta frase, por favor, não é para tomar no sentido literal...)! Há, pois, que reciclar tão importante vocábulo.

Termo 3: Escanifobético (do chinês uin-ton-tau-té). À excepção dessa grande figura das letras lusas que dá pelo nome de Mário de Carvalho, não me recordo de ver uma palavra tão exótica como "escanifobético" consagrada na literatura. De acordo com o Ciberdúvidas, escanifobético começou a generalizar-se entre a juventude dos anos 50, com o sentido de estranho, esquisito, fora do comum, fora do normal. Durante os anos 80 ainda era amiudemente utilizada (eu lembro-me de levar com esse adjectivo por parte de colegas, professores, familiares...), mas com o passar do tempo o termo foi sendo deixado de lado. O que é de lastimar. É certo que a palavra soa ridícula, e faz lembrar uma coisinha má (diabético, epiléptico...), porém é dotada de um je ne sais quoi que me faz preferi-la ao comum esquisito. Aliás, estou em crer que, se em lugar de afirmar "os portugueses são esquisitos", tivesse dito "os portugueses são escanifobéticos", a Maitê Proença não teria sido vilipendiada como foi. Até porque, antes de mandarem qualquer atoarda, os portugueses teriam de ir ao dicionário procurar por "escanifobético"... e pessoalmente duvido muito que a maior parte dos dicionários possua tal definição.

Bom, apresentados os três termos que escolhi para serem recuperados e, assim, voltarem ao protagonismo que já obtiveram na língua portuguesa, resta-me um derradeiro esforço. Trata-se de criar uma frase que possa ser repetida por todos em todo o lado, quer no mundo real, quer no mundo virtual. A frase que tenho em mente é esta:

"O estronço do Vítor papou a pachacha escanifobética da Sara"

E o que proponho é isto:

a) dizê-la 2 vezes ao dia nos transportes públicos
b) dizê-la 1 vez por dia junto dos colegas de trabalho
c) colocá-la no estado do messenger
d) colocá-la no estado do Facebook
e) estampá-la numa t-shirt
f) levá-la num cartaz para um jogo de futebol (até porque já estamos fartos do "Mãe, estou aqui!" e do "Nãoseidasquantas, dá-me a tua camisola")

Se fizermos isto, é bastante provável que em poucos dias os vocábulos "estronço", "pachacha" e "escanifobético" regressem ao Português do dia-a-dia. E isso, a acontecer, é uma mais valia para a língua. Cabe-nos a nós levar esta missão de enriquecimento da língua portuguesa a bom porto. Conto convosco, seus estronços escanifobéticos.

4 comentários:

esquilinho disse...

AHAHAHAHAHAHAH!
Muito Bom! E foi especialmente gostoso voltar a ouvir essas palavras tão usadas na minha longínqua adolescência...
E adorei a ideia da t-shirt com a frase estampada. Propõe ao Cão Azul. Acho que eles também vão gostar... senão, são escanifobéticos!

Anónimo disse...

Sugestão para Uma Questão de Linguagem (3): distinção entre à e há.
:D

Rachelet disse...

E a palavra 'escangalhado' hem...

Posso dizer-te que tenho usado muitas vezes algumas destas palavras com total impunidade na cara de muita gente. Mesmo assim: na cara de empregados, funcionarios, taxistas...
Talvez o facto de me encontrar agora em Kiev seja relevante.

Flor disse...

Il significato corretto di "stronzo" e' letteralmente "pezzo di merda". Cio' puo' essere equiparato a quanto di peggio si possa definire una persona, stupida imbecille, deficente, idiota ecc. ecc..

Boa Sorte