quarta-feira, julho 13, 2011

As aparências

Lembram-se do Zêuxis? Foi lateral esquerdo do União de Lamas nos longínquios anos 50 do século passado! Não, não é nada disso: Zêuxis era um célebre pintor grego de quem se diz que uma vez pintou umas uvas tão realistas que os pássaros se aproximavam para debicá-las. Lembram-se dele?! Eu não, porque não vivi na Grécia clássica, mas de vez em quando leio umas coisas para além da Penthouse Portugal, que em boa verdade também não leio, só vejo os bonecos, ou neste caso as bonecas, que são boas aparências, diga-se de passagem. O que importa reter, lembrem-se ou não do Zêuxis, é não nos deixarmos enganar pelas aparências, sobretudo quando estas parecem mesmo parecer aquilo que parecem. Eu sei que esta frase parece enigmática, mas lá está, é só uma aparência, leiam-na de novo e percebem logo o que eu quero dizer.

Bom, mas por que venho eu com esta lenga-lenga das aparências e o camandro? Primeiro, porque sim, pois não tenho outro assunto com o qual vos chatear hoje, segundo, porque as aparências, mesmo enganando algumas vezes, outras podem não enganar assim tanto e constituem até um aviso que nos salva a vida. Aparentemente, já estou mesmo a ver, vocês não crêem nisto... então será melhor eu sacar, das profundezas da minha iluminada e nada retorcida mente, um exemplo que vos esclareça, e não só em aparência.

Não resido no Porto. Nem quero residir. Mas ontem, ocorreu na suposta cidade invicta uma catástrofe de proporções moodyanas. Sem qualquer explicação, e comprovando, mesmo para quem é um arreigado ateu, como eu, e não acredita no sobrenatural, que o mundo está governado por seres demoníacos, mas dizia eu, sem qualquer explicação, o Michael Bolton e o Kenny G deram um concerto (ou, para ser mais exacto, um apocalipse) na capital do "Nuorte". Pá, o Michael Bolton! E o Kenny G! Juntos! No mesmo dia! No mesmo local! Os lisboetas devem estar todos a pensar: "A-ha! Os tripeiros também já têm o seu terremoto de 1755!", e com razão. Aliás, se tivesse de escolher entre levar com o terremoto de 1755 e com a destruição que deve ter sido o concerto de Michael Bolton e Kenny G, não tenho a menor dúvida sobre qual optar: o terremoto, pois claro, que aliás deve ter sido muito menos cacofónico em termos auditivos.

Ora, o que têm o Bolton e o G a ver com as aparências?! E com o Zêuxis? Tudo! De certeza que já viram o seguinte argumento num qualquer filme de Hollywood: se uma coisa cheira a merda, sabe a merda e parece merda, então é o estádio do Drag... - aham, entusiasmei-me - é merda! Claro que os guionistas que escrevem estas cenas não têm presente o caso dos pássaros do Zêuxis, para os quais uma coisa, se parecia uma uva, era mesmo uma uva... e depois davam com os biquinhos numa tela ou numa parede, ou lá em que superfície o Zêuxis pintava. O mesmo raciocínio que identifica a aparência com a coisa real, ou seja, que comete o erro dos passaritos, é, no entanto, aplicável e com muito maior relevância àqueles dois "artistas", e o facto de usar a palavra entre aspas denota que "artista", aqui, tem um sentido muito amplo: se uma coisa parece o Michael Bolton e o Kenny G, então é o rating de Portugal, isto é, é merda! E portanto, toda e qualquer pessoa que viu, espalhados pela cidade do Porto, cartazes com as figuras do Michael Bolton e Kenny G (aparência) anunciando o concerto destes dois no dia de ontem (coisa real), deve ter ficado bem avisada e, se o bom senso e a razão imperam naquelas gentes, foi fugir a bom fugir para tão longe quanto possível. Eu, se tivesse visto um tal cartaz, era o que faria.

Portanto, em conclusão, se a história do Zêuxis nos diz que as aparências iludem, não se devendo confundir representação (a uva pintada) com a realidade (a uva real), o que a vida nos mostra é que, às vezes, a aparência (um cartaz com o Bolton e o G, ou seja, representação de uma merda) já diz tudo o que há a dizer sobre a realidade (o Bolton e o G a sério, ou seja, merda), e que o melhor será, pois, afastarmo-nos se não queremos correr o risco de nos cagarmos todos.

Aprendam comigo, que eu não duro sempre.

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