Um clássico do despojamento material, uma ode à libertação dos males da civilização e à comunhão com a simplicidade da natureza. Ou, por outras palavras, uma prefiguração (o livro foi originalmente escrito no século XIX) daquilo que viria a ser o movimento hippie, mas sem as drogas e o amor livre, ou seja, sem as partes boas.
Embora seja um filho da cidade e tenha o sangue urbano a correr-me nas veias, aprecio muito estas narrativas de desprendimento quase adâmico. Há alguma verdade nos apelos ao regresso aos campos, locais onde a vida corre mais devagar e é possível encontrar alquela autenticidade que as grandes urbes definitivamente perderam, preocupadas que estão em garantir a superfluosidade material aos seus habitantes. E depois há os velhotes que se matam a golpes de gadanha, quando não a tiros de caçadeira, e os sempre célebres rebolanços sexuais nos fardos de palha, seja com pessoas do sexo oposto (ou não), seja com animais do sexo oposto (ou não), manifestando que a natureza é isto mesmo, fonte de comunhão e amor mas também de disputa territorial. É bom não esquecermos isto da próxima vez que estivermos numa fila de trânsito. Se eu pudesse despedaçar à gadanhada o tipo que estacionou o carro em segunda fila, pegar na sua esposa boazona e, logo ali na berma da estrada, fazer-lhe coisas feias, a vida seria muito melhor para mim, para essa esposa, para o seu marido estraçalhado no meio do alcatrão e para todas as outras pessoas apanhadas, como eu, no meio de uma fila de trânsito. Esta é uma lição que o campo bem nos pode ensinar.
Mas há mais. No campo, as coisas têm outro sabor. Não é preciso lermos o Civilização do Eça de Queirós (um dos melhores e mais belos pedaços de prosa da literatura portuguesa, e se sou eu que o digo, podem ir já pegar, à confiança, no texto, que faz parte dos Contos) para constatarmos que os fornos a lenha, os tachos de barro e os alimentos colhidos na hora nutrem muito mais do que os nossos fogões a gás e as compras do supermercado. E, vantagem acrescida, no campo não há Moody's a dizer-nos que o rating das nossas batatas é igual a lixo, não há políticos em campanha aquando de eleições (os políticos nunca vão ao campo, pá! Devem ter medo que alguém os ponha a trabalhar, para variar) e não há putos estúpidos a andar de bicicleta e a atrapalhar-me o pedalar, então não é que eu quero ultrapassar os putos estúpidos e eles ocupam o raio da estrada toda, obrigando-me a desviar para o passeio e a atropelar velhinhas, não que isso não seja divertido, não que isso não ajude o país, pois são menos reformas a pagar, mas caramba, chatos dos putos, pá, estivéssemos no campo e iriam ver se não os corria à gadanhada, eu sei que me estou a repetir com isto da gadanha mas imaginem-se com uma nas mãos, aquilo é mesmo fixe, é zás e está a andar, porra!
Não sei se o livro do Thoreau fala destas merdas, especialmente da forma de correctamente manejar uma gadanha, mas é um facto adquirido, parece-me, que temos algo a aprender com o campo. Desconheço se para isso é preciso irmos morar sozinhos durante dois anos numa cabana montada mesmo no meio de um bosque, que foi o que fez o maluco do Thoreau, coitado, eu se fizesse isso, tenho a certeza que ao fim de duas horas longe dos meus cds ficava possuído e desatava a cortar todas as árvores ao meu redor com - lá está - uma gadanha, para depois colocar as partes cortadas em cima de um calhau, à espera que dali saísse música, mas isso sou eu, um indivíduo, como revelei logo no início, que é essencialmente urbano. Porém, se pudermos fazer das cidades os nossos campos, metafisicamente falando (se não perceberam isto, deixem estar, eu depois não explico...), talvez possamos ser um poucochinho mais felizes. É experimentar.
Embora seja um filho da cidade e tenha o sangue urbano a correr-me nas veias, aprecio muito estas narrativas de desprendimento quase adâmico. Há alguma verdade nos apelos ao regresso aos campos, locais onde a vida corre mais devagar e é possível encontrar alquela autenticidade que as grandes urbes definitivamente perderam, preocupadas que estão em garantir a superfluosidade material aos seus habitantes. E depois há os velhotes que se matam a golpes de gadanha, quando não a tiros de caçadeira, e os sempre célebres rebolanços sexuais nos fardos de palha, seja com pessoas do sexo oposto (ou não), seja com animais do sexo oposto (ou não), manifestando que a natureza é isto mesmo, fonte de comunhão e amor mas também de disputa territorial. É bom não esquecermos isto da próxima vez que estivermos numa fila de trânsito. Se eu pudesse despedaçar à gadanhada o tipo que estacionou o carro em segunda fila, pegar na sua esposa boazona e, logo ali na berma da estrada, fazer-lhe coisas feias, a vida seria muito melhor para mim, para essa esposa, para o seu marido estraçalhado no meio do alcatrão e para todas as outras pessoas apanhadas, como eu, no meio de uma fila de trânsito. Esta é uma lição que o campo bem nos pode ensinar.
Mas há mais. No campo, as coisas têm outro sabor. Não é preciso lermos o Civilização do Eça de Queirós (um dos melhores e mais belos pedaços de prosa da literatura portuguesa, e se sou eu que o digo, podem ir já pegar, à confiança, no texto, que faz parte dos Contos) para constatarmos que os fornos a lenha, os tachos de barro e os alimentos colhidos na hora nutrem muito mais do que os nossos fogões a gás e as compras do supermercado. E, vantagem acrescida, no campo não há Moody's a dizer-nos que o rating das nossas batatas é igual a lixo, não há políticos em campanha aquando de eleições (os políticos nunca vão ao campo, pá! Devem ter medo que alguém os ponha a trabalhar, para variar) e não há putos estúpidos a andar de bicicleta e a atrapalhar-me o pedalar, então não é que eu quero ultrapassar os putos estúpidos e eles ocupam o raio da estrada toda, obrigando-me a desviar para o passeio e a atropelar velhinhas, não que isso não seja divertido, não que isso não ajude o país, pois são menos reformas a pagar, mas caramba, chatos dos putos, pá, estivéssemos no campo e iriam ver se não os corria à gadanhada, eu sei que me estou a repetir com isto da gadanha mas imaginem-se com uma nas mãos, aquilo é mesmo fixe, é zás e está a andar, porra!
Não sei se o livro do Thoreau fala destas merdas, especialmente da forma de correctamente manejar uma gadanha, mas é um facto adquirido, parece-me, que temos algo a aprender com o campo. Desconheço se para isso é preciso irmos morar sozinhos durante dois anos numa cabana montada mesmo no meio de um bosque, que foi o que fez o maluco do Thoreau, coitado, eu se fizesse isso, tenho a certeza que ao fim de duas horas longe dos meus cds ficava possuído e desatava a cortar todas as árvores ao meu redor com - lá está - uma gadanha, para depois colocar as partes cortadas em cima de um calhau, à espera que dali saísse música, mas isso sou eu, um indivíduo, como revelei logo no início, que é essencialmente urbano. Porém, se pudermos fazer das cidades os nossos campos, metafisicamente falando (se não perceberam isto, deixem estar, eu depois não explico...), talvez possamos ser um poucochinho mais felizes. É experimentar.
1 comentário:
Ui, comecei a ler isso no mestrado... que seeeeeca! Boa sorte!
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