terça-feira, julho 05, 2011

Lúcidos comentários sobre O Delfim, o filme


Entusiasmado pela leitura recente do livro O Delfim, do José Cardoso Pires, fui ver o dvd da adaptação cinematográfica levada a cabo pelo Fernando Lopes, com argumento de Vasco Pulido Valente, que deve ter ficado irritado por não o terem deixado transpor a acção para o século XIX. Para filme português, nem está mau e, mesmo que estivesse mau, uma grande vantagem de qualquer filme português é, à partida, nunca poder contar com o Adam Sandler ou o Vim Diesel. O Delfim não conta e, em boa verdade, a trupe de actores é um dos grandes trunfos da película, com destaque para a dupla Rogério Samora, no papel de Tomás Palma Bravo, o delfim, e absolutamente convincente, o que não era difícil, pois Rogério Samora só precisava de ser ele próprio, um canastrão, e Alexandra Lencastre, a boazona, no papel da esposa benzoca de Palma Bravo.

Gostei também particularmente da realização, com algumas cenas de bom gosto, mas onde o filme falha mais é no argumento. Não é que o Pulido Valente tenha feito um mau trabalho, não é isso, mas parece-me que foi demasiado preguiçoso. Primeiro que tudo, não confere autonomia suficiente ao enredo do filme, quero com isto dizer que quem não leu o livro antes de ver o filme terá mais dificuldades em seguir a história, e tal não deveria acontecer. Depois, irritou-me a forma como não se aproveitou aquilo que o filme poderia ter de melhor, mais eficaz e mais atraente: então não é que, tendo ali à mão de semear o corpanzil da Alexandra Lencastre quando ainda era podre de boa (a película data de 2001), e tendo em conta que José Cardoso Pires narra, no livro, uma cena altamente tórrida de masturbação feminina, o filme se limita a mostrar as pernas e - crime lesa-cinematográfico capaz de provocar um ataque cardíaco aos irmãos Lumiére - em vez das duas, desvela só uma teta alexandrina?!?! E muito timidamente?! Como é que isto pode ser, caramba?!?! Depois queixam-se que o público anda divorciado dos filmes portugueses... se fosse em Espanha, França ou num, vá lá, filme pornográfico escandinavo, teríamos a Alexandra Lencastre toda descascada, revelando tudo ao espectador (um aparte: com o novo acordo ortográfico é "espetador", não é?!? Faz sentido...), e até quem sabe, com um bocadinho mais de liberdade artística, que é o traço do bom cinema, alinhado com o risco, teríamos godemeches, azeite a escorrer pelo corpo da actriz, banhos de espuma, cavalos, elefantes e até um rinoceronte a fazer-lhe companhia! Isto é que era, mas não: Fernando Lopes e Vasco Pulido Valente armaram-se em púdicos e ficámos com uma cena erótica que parece ter sido filmada pelas irmãs Carmelitas!

O que é uma pena. Da próxima vez que alguém quiser adaptar uma obra de literatura portuguesa ao cinema, chamem-me para dar consultoria, 'tá?! Aposto que até consigo enfiar uma cena de sexo escaldante numa eventual adaptação do Sermão de Santo António aos Peixes...

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